sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Lugar de Sonho



Tela de Hu Jundi


De respiração entrecortada.
Na catedral das reencarnações,
Buscava a evaporação do fio dos sonhos.

Seu corpo leve ia de encontro aos que
Soltavam-se do existir.
Precipitava-se num voo inquieto e numa
Insensata busca para elucidar signos.

Era alguém que desdobrava as noites
Arriscando-se num incontrolável mergulho.

Soprava a poeira dos mortos
Dependurados nas franjas do tempo.
O horizonte rompia-se em pedaços fragmentados
Como um cristal de caleidoscópio.

Em cada pedaço,
Alguém lhe fazia um sinal de avistamento.
De longe, os louvores garantiam
Sua entrada no templo da almas.

Eu própria, em minha vestimenta de vidro,
Pude penetrar no vale onde nasciam todos os risos.
Vi a transparência líquida dos espíritos
E a fonte que brotava do centro de seus corpos.

Como um manancial de luz palpitante,
Crisálidas azuis se transformavam nesse lugar de sonho. 

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Os Amantes



 Tela de Paul Cézanne


A noite avança
Penetrando em si mesma.
Uma canção entoa
A nudez dos amantes.

Palavras ardentes,
Hóspedes de bocas vulcânicas,
Suspiram segredos.
Dizem que se amam e celebram a vigília.
Voltam, lentamente, para ver a terra tremer,
Sussurrando o nome dos amantes.

O que eles querem é o suspirar,
O que despe a morte, súbita e louca.
O que atravessa o corpo como um vendaval,
Deixando marcas de tormenta.

Querem braços abertos, e o respirar afoito.
Querem a canção perseguidora do lírio louco
Que nasce selvagem na fonte do corpo.

Emissários invisíveis
Indicam os segredos da carne.
Estendem, até os amantes,
Os domínios do campo.

Quando o grito se aproxima,
Ordenam que as mãos cor de terra
Fecundem a semente,
E entre águas e bocas de folhas,
Iluminam-se em esplendor de gozo.

Rosto Líquido




 Tela de Majid Arvari


Depois que você se foi,
Escrevi versos que choravam.
Naveguei por fragmentos
Chamando por olhos na vidraça.
Vi chover noite,
Em um quarto de terror e espera.

A casa ficou morta diante da treva.
Meu rosto ardia, líquido de lágrimas,
Numa trilha fervente de desassossego.
O vento entrava, destruindo a boca
E a pedra dentro dela.

Agora, sou estrangeira em mim.
Alguém que caminha no silêncio,
E tem os olhos arrasados,
Arrancados das órbitas e estilhaçados
Ante os vidros da janela.

Que venha uma rosa trazida pela noite
E beba de meu rosto a melancolia.
Que se alimente das lágrimas quentes,
Levando de minha alma os dias de escuridão.

O esplendor, que era só nosso,
Tornou-se tempestade fragmentada.
Virou degelo retumbando na vidraça,
Mostrando uma longa sombra escura
Desenhada na parede de nossa casa.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Dança do Fogo

Tela de Heather Betts



Sonhei que tu acendias para mim
Uma dança flamejante de fogo.
Audaciosa, ela rodopiava labaredas
Em meu corpo adormecido.
Fazia irromper sombras incrustadas
Com o oficio de soprar brasas.

Segurava-me em turnos,
Como uma sentinela que nunca adormece.
Os mesmos passos avançavam e contavam
Estrelas em mim.
Fazia-me perder a consciência,
E afundar entorpecida no vazio das horas

Pássaros voavam, obedecendo
Ao ritual sagrado do esvoaçar das sedas.
Dançavam no ar, em busca do perfume das flores.
Despiam o vestido de meu corpo,
Que, ferido ardia em chamas.
Emaranhavam-se no vapor das nuvens,
Buscando entrar em meus pensamentos.

Eu, tarde da noite, acordava,
Testemunhando a jornada do voo
E as voltas da dança do fogo,
Que traziam ao meu corpo
O desespero do sangue.

domingo, 5 de agosto de 2012

Casa de Pássaros



Tela de Koralov Hypnagonik


Ouve o prelúdio do chamado e vem.
Faz uma casa de pássaros para o meu olhar.
Inventa uma noite de loucura,
E relâmpagos que falem.

Traz um corpo de suspiros,
Que me roube o ar e o fôlego.
Escreve nas paredes
Que a reza vem dos desejos.
Diz que o sonho está dentro do corpo,
E dança a tua volta em um vestido de fogo.

Fala que a língua da noite
É refrigério no corpo escaldante.
Conta que o pássaro delira por jardins,
Passando os dias, hipnotizado pelo ninho.
Escreve que, aéreo,
Dá voltas na respiração do dia,
Em busca de asas para mitigar o desejo.

Inventa uma casa de pássaros que brilhe,
Que orvalhe no verão, e arda no inverno.
Uma casa dentro do silêncio,
Com o espírito apaixonado dos amantes.
Um corpo que queime nas ondulações do fogo,
E abrace o encontro do vôo,
No delírio do sangue.

domingo, 15 de julho de 2012

Viagem sem Fim



Tela de Iman Maleki

Quando eu abrir os meus olhos,
Estarei sequestrada sob teus domínios.
O ar encrespado me fará ondular
Como a chama de um crepúsculo.

Flores sairão de minha boca
Para estar na tua, cheia de sede e espanto.

O vento escreverá nossos nomes
Com o orvalho da noite,
E as letras entrelaçadas
Serão como um farol obstinado.    

A pele alva mostrará o caminho.
Um rio de vinho, recolhido em taças,
Despertará o desejo,
Preparando-nos para uma viagem sem fim.

Será como uma correnteza descendo um rio.
Estarei refletida no espelho dos teus olhos,
E, como naufraga, me agarrarei
Ao centro de teu corpo.
Só estarei protegida no turbilhão de beijos
Que sairão de tua boca.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Homem Pássaro


 (Desconheço o autor)


Procurei-te à beira das nascentes,
Nos que carregavam cântaros junto ao rio,
Nas esferas ondulantes do sol,
E na flama do éter
Da atmosfera escaldante.

Não te achei,
Pois sonhavas um tempo de aguaceiro,
No vale das trevas.

A harmonia do mundo
Ia e vinha dentro de mim,
Enquanto te buscava.
A força do sangue corria,
Levando junto o mistério.
A visão de tua face preservada,
Num gemido abafado de dor,
Entorpecia meus sentidos.

Estavas só, dentro do silêncio e da busca.
Passei por todos os recantos sombrios
Esbarrando nos emaranhados da escuridão.
Não te encontrei no labirinto obscurecido,
Nem nos regatos das nascentes perdidas.

Corri os jardins da Terra
Procurando o caminho que bifurcara,
Antes de te perder.

Estavas só, como um menino perdido.
E em delírio, tragado pelos dedos da noite.
Dançavas numa luz hipnótica,
E no lugar de teu repouso
Enrolava-se ao vento
E girava em esplendor de voo.