sexta-feira, 31 de julho de 2009

Lua Implacável

Tela de Jim Warren



Vem, Lua das minhas delícias!

Meu grito flutua na boca desse céu

Sem limites.

Meu coração bate apressado

Maquinado pela força dominadora

De meu gozo oceânico.


Essa sensação urgente de maré cheia,

Que vai se espalhando,

Pelos terminais de dois corpos

Caminha sob ondas tensas,

Para uma praia escaldante.


Flutuamos sob ondas de espumas.

Perdidos na tormenta das delícias.

Lençóis de algas embaraçam

Nossas vidas,

Numa dança tempestiva de carícias.


Sobrevivemos nessa ancoragem louca,

A essa Lua implacável de delicias,

Que fica escondida bem no fundo,

No horizonte perdido de uma concha.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Meu Medo

Tela de André Toma



O medo que tenho

É de nunca me apagar,

Medo do começo,

De nunca poder parar.


Medo da chegada hostil,

Da flor que evapora.

Do perfume que fica

E que não vai embora.


O medo que tenho

É da lembrança infinda,

É de estar para sempre

Como alma perdida.

terça-feira, 28 de julho de 2009

A Tecelã

Desenho de Toshi Yoshida


Minha juventude parte com dentes cerrados.

Riscam meu nome do livro das armas.
Entrego-me às chamas rodopiando convulsa.

Língua acelerada lambendo um medo atávico.

Vou retorcida, esmigalhada pela foice negra.
Instalada em manto de morte abraço meu inverno.

Sigo na aridez da noite, que marca o fim das horas,

Evoco o começo de meu tempo de borboleta menina

E sou devorada pela luz das chamas.


A tecelã do destino sopra em meus ouvidos

Sua fúria invernal.

Deito nesse espaço preparado

E renasço numa nova vida,

Sem nunca ter entregado meu coração.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Vinho

(Desconheço o Autor)



Fui para você, não uma taça,

Mas um rio inteiro

Transbordando de amor.


Quantas vezes fugi para os seus braços,

No meio da noite e bebi desse vinho doce.


Fundíamos um ao outro,

Até eu me sentir dilacerada pelo prazer

Arrancado de meu ventre.

Até estar quase morta, mas saciada.


Quantas vezes mais exalaríamos

Esse perfume de terra fresca,

Como um campo de trigo ceifado?


Ainda sou tentada para estar contigo,

Nessa combinação de amantes,

De vinho e licor próprio.


O mesmo prazer filtrado entre as coxas

Bebido hoje em minuciosa taça

Esculpida com nosso romance.

Desejos

Foto de Emma Hack



Escute, cole o ouvido em meu peito.
Ouça o som de teu gesto.
Meu coração dança e se esvai
Num flamejante gozo de loucura.

O ar me falta na vertigem de seu corpo.
És o único a alcançar o segredo,

A ligar a caixa ressonante dos desejos.


As roupas se espalham formando

Uma paisagem lunar.

Andamos nus nas cavidades profundas

Dessa atmosfera rosada.


Meu talismã pulsa ao seu toque

Vibrando uma música inflamada,

Nessa ilha viva e ondulante.


Sulcos úmidos serpenteiam

Os caminhos de meu corpo,

Até inundar-se embebido por você.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Palavras

(Desconheço o autor)



A espessa neblina

Que encobria tuas palavras dissipou-se.

Despertaram de uma noite tempestiva.

Abriu-se uma clareira na floresta do silêncio.


Os sonhos que pairavam entre as folhas

Soltaram-se como borboletas na primavera.

Podemos fundir nossas palavras novamente

E será como o som de uma flauta

Tocada no crepúsculo.


Tudo será banhado com o primordial desejo

E arderá com o sentido que daremos a elas.

Essas palavras serão juntadas e reverenciadas

Como num cântico de mil solfejos.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Salomé

Tela de Canato



Sou essa Salomé que me falas.

Sou serpente a arder encantos,

Lânguida, sibilando,

Nos contornos que de mim exala.


Danço na esfera obscura dos sentimentos.

Oscilo na noite dos tempos,

Uma seda vaga de juventude e brilho.


Dispo a aura de fatalidade,

Para te dizer que tenho andado como a rosa,

Áurea trama abrindo pétalas como um livro.


Vem você que me espia

Prove desse veneno que pulsa.

Vem comigo e escuta,

O sibilar de meu encanto.

O Grito

Tela de Edvard Munch (O Grito)



Meus dias seguem como a cor da noite,

Meu pôr-do-sol grita em vários tons,

Mas é o vermelho sangue

Que se fixa em minha retina desesperada.


Carrego comigo um olhar de pranto.

A irradiação de meu espanto

É um sinal despedaçado,

Fixo nessa paisagem que conspira medo.


O ar quente oculta meu sinistro grito.

Atravesso a rua ouvindo gemidos guturais.

Os pássaros estão petrificados

Na paisagem derretida.


Sigo sozinho nessa estepe amarga.

Minha boca deixa flutuar nuvens

De melancolia,

Que se juntam no céu crepuscular

De minha angustia.

Trovejam chamas num céu de treva.


Um rio azul de lágrimas

Cobre-me de uma substância fria,

Até deixar-me transparente.

Não sou mais eu aqui, mas o grito

Levado pelo vento.