sábado, 3 de novembro de 2007

Reflexo


Tela de William Merritt Chase

Hei! Você aí no espelho!
Volte-se para trás,
Procure-me além
Desse espesso cristal.

Responda-me,
Porque fica aí
Sempre quieta,
Olhando-me passar?

E tu, não passas?
Não passamos juntas, nós?
Ao longo de tudo
As horas passam.
Esquecida estou aqui,
Vivendo com minha dor.

No lento passar das horas,
Não sou mais eu aqui,
E nada aqui parece teu.
Tal, no entanto aí, sou eu!

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Levante

Tela de Kantsurov Aleksey Ivanovick

Dia virá
Que ouvirei gritos,
Subirão os muros
De lamento e ritos.

Ouvirei temores,
Quebrarão tambores
E terão passado
Pelos teus portões.

Choverá rancores,
Bradarão espadas,
Puxarão correntes,
Matarão serpentes
De afiados dentes,
Sem consolação.

Tremerão horrores,
Ouvindo a trombeta,
Que grita um brado:
Estão dominados,
Somos um país!

Poema

Tela de Álvaro Reja

O poema puro, justo,
Amontoa a toa,
Letra, augúrio,
Tinta negra
Que escorre
Num estranho olhar.

Junta-se pedaços,
Desfaz-se os compassos,
Recola um halo
De forte intenção.


Reta a linha se alinha,
Declina, desalinha,
Perdida de mim.
Enfim aparece,
Inteiro ao acaso,
Alcança seu canto
De poema encanto,
Entretanto,
Enfim, mas nem tanto.

Ele

Ilustração de Felix Vallotton

Pela primeira vez
Ele veio e se mostrou a mim,
Quando o dia resplandecia
E eu só dizia sim.

À noite
Em seu glamour de manto,
A salpicar estrelas,
Engana e esconde,
A realidade diurna
Que ele tem em si.

Vem num corpo
De calor e fúria
Que emoções transpassam,
Dobrando-me ao chão.
Minha porta aberta,
Diz que quer e chora,
Por entrar pisando
O meu coração.

Oscilo folha,
Desprendida em haste
E me junto a ele
Que nunca diz não.

Vem falando
As palavras certas,
Abrindo os braços,
Acolhendo em laço
O meu corpo nu.

Minha voz flutua
Como borboleta
Que deixou casulo
E vive feliz.

Digo-lhe os segredos
Que guardei de mim,
Dou-lhe o sorriso,
Que é meu jardim.

E suas mãos mudas
Tapa minha boca,
Dizendo que só elas
Falarão em mim.



sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Saudade

Tela de Alicia Woodman

Que saudade é essa
Que passa
Que teima em chamar.
Que transpassa
E enreda voltas
Por um suspirar.

As lembranças vazam
Uma dentro da outra.
Minha memória acordada
Forma palavras
Que reproduz
Saudade.

O imaginário trazendo
Fantasmas feitos de vento,
Tormento.
Encubro o passado
Com meu grito de
Saudade.

sábado, 13 de outubro de 2007

Gratidão

Tela de Álvaro Reja

Quando sou grato
Desfruto a eternidade.
Nada nem mesmo a morte
Anulará o que vivi.

Ela só poderá privar-me
Do futuro que não é.
A gratidão liberta-me dele,
Pelo saber alegre do que foi.

Aceito a gratidão como uma virtude,
O dever é amargo e nos torna pequenos.
A alegria da gratidão se transforma
Em amor somado ao amor.

O segredo da amizade
É a alegria comum.
A amizade dança ao nosso redor
E pede gratidão.

Pede que despertemos para dar graças.
Ser grato é levar dentro de si
Um eco de alegria.

O mistério da gratidão
Não é o prazer que temos com ela,
Mas o obstáculo que com ela vencemos.
Ele se opõe ao egoísmo e o supera.

A gratidão é uma virtude leve e luminosa,
Feliz e humilde.
Que graça mais fácil e mais necessária
Que ser grato.
Agradecer é dar, ser grato é dividir.

Essa alegria compartilhada,
Se não se agradece
É porque não se quer partilhar.
A gratidão dá a si mesma.

Ela vem somada a generosidade.
A ingratidão não vive
Pela incapacidade de receber,
Mas porque é incapaz de retribuir,
Não se alegra, não ama.

A gratidão não tem nada a dar,
Além do prazer de ter recebido!

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Uma Sombra

Ilustração de Dan Thompson

Sou o acaso
Nesta cidade de pedras.
Sou uma sombra
De substância ilegível.
A epiderme se solta
Para decifrar mapas,
Achar lugares.
Estátua humana
De concreto falso,
Olha-me com a certeza
De poder capturar-me
Com seu olho de fisgar louco.
Eu tenho um
Gosto ácido na boca.
Só sei dos instantes
Que em flashs atravessa
O meu corpo breve.
Rompe o ar,
Deixando uma promessa
De existência plena.
Mas de repente
Um vento vem
Girando num barulho,
Derruba o que fui e o que sou
Num só mergulho.
E sou de novo
Uma sombra do acaso.

sábado, 29 de setembro de 2007

Sozinho (seg.versão)

Tela de Juan Storm

O princípio da incerteza
Aflora agora.
Acordo na superfície,
O mundo é um olho obscuro.
Avalio o escondido
Perdido
Dentro de mim.
Estou só.
Sigo na densidade
Pairando
Nesta angustia de ser.
Nasci só.
A condição humana
Atravessou minha alma.
Agora sigo
A medir caminhos,
Sozinho a fugir de mim.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Gume

Tela de Jacob Collins

O que me fere
É uma espada entalada
Em minha costela de Adão.

O que te fere
É ver que essa espada
É um espartilho
Que não tem gatilho.

Lateja lâmina
Lambendo a carne
Que sangra
Grinaldas de sangue
Que angra.


Toque retoque
O reboque
Para salvar
A espada amolada
Gume de lume
Mina salina
A me incomodar.

Atrás da porta
Aponta a ponta
Da sorte consorte
Olho agonizante
A dor flui entre nós.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Sozinho

Ilustração de Anthony J. Ryder

O princípio da incerteza aflora
Quando acordo na superfície do mundo e
Olho a obscuridade dos seres em sua solidão.

Avalio o que não se quer mostrar.
Escondido dentro de si o homem está só.
Segue na densidade das coisas
E não consegue atuar na generosidade.

Estou aqui pairando sobre tudo
A refletir nessa angustia de ser.

O homem nasceu para ser sozinho.
A condição humana atravessa sua alma
Fazendo um ser triste e só
A medir caminhos e fugir de si.


domingo, 16 de setembro de 2007

O Meu Rio

Ilustração de Allan Lee

Um rio caudaloso e manso
Passa por minha vila,
Às vezes transborda
Quando há tempestades,
Às vezes seca
Quando é forte o verão.
O mais importante para mim
É que esse rio
Leva-me para o mar
E de lá,
Posso ir onde você está.

sábado, 1 de setembro de 2007

Medusa

Tela de Arnold Böcklin

Um rosto de máscara
Cintilante e hipnótica,
Entrelaçava o olhar do oculto,
Buscando um corpo de sombra.

Cingiam sua cintura,
Serpentes.
Longos cabelos ondulantes
Que por carinho,
Cravam-lhe os dentes.

Pequenas serpentes azuladas,
Dançavam absoluto mistério.
E ela, Medusa dos medos,
Em silêncio formava um império.

O olhar paralisante,
Buscava o coração aflito,
Rondava de perseguir caminhos,
Jorrava emoções em ondas,
Para o mortal encontro em um ninho.


sexta-feira, 24 de agosto de 2007

O Grito

Tela de Odd Nerdrum

E caiu sobre mim
Um silêncio de seta.
Mergulhou-me atingindo
O alvo certo.
Implacável absorveu-me inteira
E eu fechei minha boca quieta.

Em cada fenda decifrei soluços
E minha voz
Falou para mim mesma.

Precipitou-se na pele
Rumo a minha boca.
Absoluta de tudo,
Trabalhou devagar um caminho.
Desfiz de mim uma voz meio rouca,
Fui obrigada a ceder seu carinho.

Enfim essa intimidade
Desfez o enigma do silêncio.
E uma fundição muito louca
Começou a trabalhar
Minha boca.

Gritei até me asfixiar
E ordenei que saísse esse ar.
Começou um desejo crescer,
Num fluxo imenso girando.
Não encontrei outro modo,
Senão gritar bem alto o seu nome,
Que delirando ouviu meu comando.

Relatividade

Tela de Jacob Collins

Naquele quarto de espaço
Havia uma contração de desejos,
Uma dilatação temporal,
Permitindo um aumento de massa
À medida que esta
Atingia a velocidade do querer.

Ali começava surgir
O limite maximo
De nosso universo,
Onde ajustávamos
As palavras aos gestos.

O tempo passa mais devagar
Para quem está se movendo
E íamos a velocidade da luz.
Naquele encontro de partículas,
Tínhamos o magnetismo
Das forças opostas que se atraem.

Quietos e sem fôlego,
Esperávamos sozinhos,
Em silêncio.
Arrebatados nos contorcíamos
Perante a energia
Que entornava saliva,
Ancorava cadências,
Querendo sempre mais e mais
Do mundo côncavo e convexo.

Um mundo que descortinava
A pele que sempre nos cobria.
Que nos sacudia num ritual perpétuo
E nos consumia numa eternidade de desejos.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Vida e Morte

Tela de George Frederick Watts

A constatação é real.
Estou pairando no ar,
Numa densa nuvem de vapores.
Olho o inacreditável.
Vejo-me iluminada
E quase não me reconheço.

Estou para entrar
Na Porta da Transformação
E na transversal do tempo,
Oriento-me para uma
Possível redenção.

Eu sou a idéia de Deus
E estou aqui para ser.
O horizonte se posiciona
E a vida se mostra
Em toda sua grandeza
Fazendo sombra à morte.

Irrompo, penetro,
Aprofundo-me neste horizonte
E sou atravessada por dentro,
Por uma realidade
Colhida como a um fruto proibido,
Suculento e legítimo.

Sinto-me repleta de vida
E vazia de morte!

Esperança

Tela de George Frederick Watts

Princesa de olhos negros
Que traz a alma sofrida,
Levante a cabeça agora
Pois a vida não é perdida.

Sou um cavaleiro errante
Que suspiras quando tu passas,
Sou um doido, um varrido,
Um amante sem amante.

Caixa de Metal

Tela de Feng Zhengxing

Havia no bosque um trinado
Parecia um pássaro encantado
Preparando o despertar.

Eram notas de harmonia,
Com certeza só podia
Ser de um rouxinol real.

E todos os dias bem cedo
Lá no bosque de carvalhos
Ele se punha a cantar.

Embalava os meus sonhos
Que vagava entre as folhas
Me fazendo suspirar.

Como deve se bonito,
Que plumagem exuberante
Esse pássaro terá.

Avistar o seu semblante
É meu desejo constante
Que bonito deve ser!

Mas como a vida é cheia,
De ironia e mazelas,
Descobri que o canto forte
Do lindo pássaro real,
Vinha mesmo lá do norte
D’uma caixa de metal.

O Silêncio

Fotografia (desconheço o autor)


Cada vez que penso em seu nome,
Ele repercute em meu quarto,
Prolonga-se,
Povoa o silêncio.
Quero que volte,
Quero descobri-lo novamente.
Quero tirar de nós essa
Espessura de silêncio.
O mundo se agita a minha volta,
Mas é no silêncio que te encontro.
Meu corpo está encerrado no silêncio.
Vejo uma paisagem
De aurora trêmula atrás da vidraça.
Mas é no silêncio
Que vou construir o meu dia.
Esse tumulto em meu coração
Deixará de ter sentido
Quando te vir novamente.
A luz do dia baterá em meu rosto,
Extinguindo tudo o que determina
A suavidade,
O perfume e a debilidade das
Coisas vivas.
Quando estiveres novamente comigo,
Minhas mãos irão acariciar
Seu lindo rosto
Com a ponta dos dedos
E o silêncio estará dormindo.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Vento Sul

Tela de Jacob Collins

Um tremor de folhas,
Um vento que espalha,
Sonhos, súbitos
Que embalam silêncios...
Atravessou minha porta,
Rindo, rindo...

Quebrou a vidraça,
Grudou-se em meu corpo,
Fez-me amor
E arrastou-me, tonta, sufocada,
Com sua lufada tão quente.

Fiquei pendente e sem fala
No beiral dessa torrente,
Que sacudiu todo o dormente
Da porta do coração.

Agora espero em ânsia
De te ter me enrodilhando,
Num tufão ou numa brisa,
Que arranque o meu portão.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

A Espera

Tela de Dante Gabriel Rossetti

Sabes aquela que tu conheceste
Voando ao vento?
Que te procuravas ansiosamente
Cega de amor?
Que se enrolava em teu corpo
Nua a arder de desejos?

Agora é uma sombra escura,
Cortante como lâmina,
Emissária de gritos,
Ressurgida do abismo ,
Fria como água oceânica.

Anda sempre em redemoinho,
Antecipando encontrar caminho,
A fagulha de um olhar que se perdeu,
Ainda a espera de um gesto teu.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Branca Lua

Lua Azul (desconheço o autor)

Translúcida lua
A mostrar-se nua.
Soluçando acordes
De uma canção sem fim.

Caminha como uma sentinela,
Num indiferente passeio
Na imensidão da noite.
Quando se mostra no firmamento
Vira o arquétipo da paixão.

E no silêncio do espaço
Torna-se ingênua e dança,
Num vestido bordado
De vapores e cores.

Para impressionar-me,
Revela-se branca e pequena
E eu a vigio,
Objeto de meu desejo,
Brilhante pérola de nácar.

Segue presa num colar cósmico,
Deixando-se refletir e embalar,
Entorpecida pela mãe Terra
E pelas marés que tecem o mar.

sábado, 4 de agosto de 2007

Tempo de Semear

Tela de Joseph Wright

Ama-me meu querido
Que me entrego inteira e sem medo.
Não demores,
Pois este é o tempo
De semear e de regar colheitas.
Vem com aquela coragem
De lavrar intermináveis procuras.
Vem antes que o tempo
Dê voltas e de nós
Não reste mais ninguém.

A Paixão

Tela de Odd Nerdrun

A paixão reside
No hiato
Entre o desejo e a realização.
Mora na casa da carência
E no quarto da satisfação.

A paixão é uma dor,
É uma expectativa de afastamento
De tudo que o rodeia,
Menos sua emoção.

A paixão é melancolia
Que perscruta a escuridão,
Que afunda numa névoa
De intensa solidão.

A paixão transforma a existência
Em algo que não existe.
Sufoca de tal forma
Cegando e apunhalando,
Sem dó e sem perdão.

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Açucena

Tela de Enrique Medina

Como uma açucena branca,
Abri-me dentro de um jarro.
Inconsolável eu estava,
Porque tu não me olhavas.

Balancei-me com tal força,
Que perfumes espalhei.
Desprenderam-se mil pétalas
Colando-se em ti por querer.

Enrolei-me molemente
Com meu vestido diáfano.
Mordi-lhe a pele toda
Esfregando-me em ti.

E num suspirar de louco,
Rasgou minha carne branca,
Arrancou os meus cabelos,
Mão de lança me mostrou.

Tornei-me uma coisa inerte,
Indefinida e sem norte,
Cortou-me com uma faca
Para me ferir de morte.

domingo, 22 de julho de 2007

Lolita

Tela de Apoloniusz Kedzierski

Lo-li-ta,
Três sílabas líquidas,
Linda como um bálsamo
Que estanca tempestade,
Que escorre quente e úmida
Para as minhas mãos de febre.

Não sei se és realidade,
Ou se é uma criança intocada.
Um martírio de carne,
Que vira um proibido desejo,
De ter-te em mim.

Não sei se o que sonho,
É um vulto pequeno,
Um silêncio que sopra,
Uma vontade de água
Bebida em seu seio
Ainda botão.

Meu rosto de pedra
Busca sinais,
Num corpo de anjo
A se enroscar.
Meu peito é aberto,
Por mãos pequeninas
Que sabem tocar.

Uma flor que caminha
No meu desengano,
Rindo de tudo
O que eu tento deter.

Um barco, uma ilha,
É tudo o que quero
Para te esconder.

Lolita
Tirou-me a alma
Abafando o meu fôlego.
Sou um menino
Perdido em suas mãos.

E quando o dia e a noite
Ainda dançam incertezas,
A verdade do meu desejo,
Louca, grita o seu nome.

Então rompe em sorrisos
E como abelha libertina
Faz-se líquida como mel.

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Estações

Tela de Alphonse Mucha

Era primavera quando rejuvenesceu o meu olhar
E a fonte que refrigerou a minha alma cantava.
Meus pés inquietos, ataviaram-se em sandálias,
Que iriam correr caminhos para estar em ti.

No verão mais tórrido conheci areias,
Debruçando-me nas janelas dos teus olhos.
Vi uma paisagem de sonho,
E me enredei delirando em sua teia.

O outono desenhou uma linha vermelha em meu corpo
E fui levada como folha ao vento pelo selvagem destino.
Queimei um silêncio de amante a suspirar numa vidraça,
Mas acabei esquecendo o fruto dessa paixão.

Fui perdendo folhas, aprendendo a discernir
Nuvens de fumaça.
Mergulhei no inverno de minha vida.
Agora, deito meu olhar neste turbilhão atordoado de sonhos.
Dou conta que posso estar em ti e além de ti sempre
.

terça-feira, 10 de julho de 2007

Sonho de Prata

Tela de Howard Pyle

Quando durmo,
Não sou mais eu,
Sou qualquer coisa de luz,
Sou um campo de amoras,
Sou um gato breve,
Que salta
Virando um menino,
Que ri e ri,
Mas depois chora
De morrer de rir.

É inverno
Quando durmo,
Num noturno quarto
E o tapete voa,
Entoando ecoa,
Um bater de palmas,
Num tocar de flauta,
Vagueando ares,
De floresta escura,
De anjos tão brancos,
Que dormem,
Quando durmo,
Neste sonho meu.

sábado, 7 de julho de 2007

Louca por Lorca

Tela de Marc Chagal


Quando leio os poemas de Lorca,
Fecho os olhos,
Transformo-me nele
E declamo com voz rouca
Em castelhano.

O ar se encrespa,
O vento rodopia,
As folhas se enredam a minha volta.

É neste momento que ele entra
Em meu corpo
E se faz presente.

Calmo e viril,
Com um olhar doce
E mãos inquietas,
Percorre-me e
Deixa-me louca por Lorca.



quarta-feira, 4 de julho de 2007

Aprendiz de Frida Kahlo

Tela de Frida Kahlo

Vejam vocês que força de alma
Tem essa grande Frida.
Ela possibilita aberturas de portas.
Sua visão de mundo, nos une,
Faz-nos uma só.
Somos sincronizadas nela,
Ela sintonizada em nós.
Por isso, vale a pena viver
A loucura de Frida.

Tenho tido muitas Fridas
Nos meus dias.
Sua voz alcança-me.
Ouço o seu chamado,
Então canto cantigas espanholas
E ponho-me como ela,
Sapateando as vicissitudes.

Não quero decifrar nada com urgência.
Quero tudo aos poucos,
Uma busca ilimitada,
Misteriosa como o universo.
Coloco-me como uma aprendiz
Dessa figura espantosa
Que desfibrila nossos nervos
Até os ossos.

Os Sonhos de Frida Kahlo

Tela de Frida Kahlo

Ela já tinha se acostumado às sombras.
Não tropeçava mais nos detalhes inúteis:
As coisas e os outros.
Na sombra nada existia,
Ficava tudo quieto a esperar.

Ali estava somente com seus pensamentos.
Decifrava os sonhos com seus símbolos.
Torturava-se com o espartilho de metal.
Minúsculos, ganchos,
Despertavam-na obstinadamente,
Para uma realidade enferma.

Não tinha o sonho vulgar dos que dormem.
Sonhava campos de dores.
Sonhava o céu líquido de lágrimas.

Sentia-se plena no mundo das sombras,
Suspensa pelo vazio.
Nenhuma nesga de luz a profanar
A quietude de seus dias.

Ali em seu quarto ela não via limites,
Nem paredes, nem nada.
E dessa obscuridade nascia,
Um redemoinho de formas e cores,
Que nos golpeiam até hoje.

O Jardim

Tela de Alfons Kappinski

Nasceu um jardim
Na palma da minha mão,
Sem jardineiro que o tenha regado.
São plantas que apareceram
À própria custa.

Por isso são tão obstinadas.

Onde quer que eu ponha os olhos,
Elas estão lá, bebendo todas as águas,
Enfim, nada mais tenho com isso,
Eu só sei as palavras
Para dar e receber.

Quem me dera essa água
Fosse mais fresca.
Hei você! Não vá comer
Minhas flores.

Já houve tempo, que foice e martelo,
Queriam dar cabo delas.
Eu ainda era inocente,
E só queria algumas flores.

Agora que o tempo passou,
Eu sei que querendo ou não,
Terei que cortar o meu jardim.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

O Sono de Frida Kahlo

Tela de Frida Kahlo

E fui coberta com pétalas de flores,
Nuvens de terra fresca me acariciam.

Estou quieta neste campo santo.
Sinto uma solidão de morte.
Ouso murmúrios do vento,
Que vem para acariciar-me.

Alguém me chama traduzindo encantos
Indefinido é o vulto a me acenar.
Saio de um sono vermelho-arsênico,
Pelas alamedas traço meu caminhar.

Sinto a brisa que balança o tempo,
Sacode-me inteira nesta escuridão.
Bebi demais do vinho da esperança,
Para terra fresca ter por guardião.

Estou sozinha e não sei voltar,
Para os braços quentes de meu amor.
Vou buscar por ele que lamenta e chora,
Meu corpo quebrado de ânsias que implora,
Por uma réstia daquele calor.

Deitada estou em leito de linho,
Coberta de flores, perfumada em açafrão.
Vou buscar por ele, através dos sonhos
E pintá-lo azul neste meu caixão.

domingo, 1 de julho de 2007

Teu Rosto

Tela de George Frederick Watts

Busco um rosto definido e único,
Que me fugiu lá atrás no tempo.
Meu coração aguarda
Batendo em alta ressonância.

Estou aqui,
Olhando o céu,
Esperando que um anjo
Ofereça-me uma alegria
Que seja infinita,
Que nunca mais me fuja.

Eu estou aqui,
Olhando tudo,
E existo somente para recriar-te,
Quando não mais existir.

Não se esquece
O que foi bom no passado.
O laço de ternura
Que amarrou meu coração,
Tem um rosto
E eu ainda sinto-o.

Eu vou junto com ele.
Mesmo na distância de tudo.

Há anos,
Deixo uma vela em minha janela,
Faço vigília,
Iluminando o teu caminho,
Para que volte para mim.

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Viagem Estelar

Tela de Josephine Wall

Estou partindo.
Pego ainda hoje uma cápsula estelar.
Atravessarei o plasma incandescente das estrelas,
Para poder sentir de perto o vento solar.
Minha nave é protegida por um escudo de sombra,
E é na penumbra do universo que eu navegarei.

Por minha vontade não levarei ogivas nucleares,
Pois minha viagem não terá volta,
Portanto não terei que me defender das nebulosas.

É de forma avassaladora que perfurarei
A massa estelar para um futuro incerto.

Vejo o caminho que se forma,
Como um rastro de luz azulado,
Estou no vácuo do mundo.
Vou sentada num quartzo rosa para minha proteção.
Tem a forma cilíndrica como um escudo.

Minha visita ao desconhecido
É uma oportunidade que me dou.
Amanhã, talvez, eu seja somente pó de estrelas.
Mas, hoje estou preparada,
Meus instrumentos guiam-me nesta missão,
O detector de partículas
Está funcionando a todo vapor.

Passo por um planeta de superfície enevoado
De aspecto revelador,
Um rosto humano está gravado em seu campo de luz.

Minha nave está em uma velocidade imprevisível .
Quero elucidar esse mistério,
Volto para colher pistas e sou envolvida
Por um turbulento campo magnético.

Vou sendo sugada por uma
Tempestade de luzes e cores,
Indo diretamente ao âmago do estranho planeta.

No percurso da turbulenta viagem
Vejo vultos transparentes.
Meus equipamentos silenciam,
Meu corpo parece estar totalmente adormecido.
Sou leve e desloco-me com incrível mobilidade.
Faço parte de tudo.
Os seres aproximam-se, são como eu.
Chegou à hora do conhecimento.

Um deles toca-me e eu fundo-me em seu corpo.
Agora é claro,
Todas as cores se juntam,
Fazendo-me um fulgor de brilho intenso.
E em um átimo de segundo,
Eu sou um corpo estelar.

quarta-feira, 27 de junho de 2007

Sonho

Tela de Emile Munier

Aquele que sonha
É envolvido por uma tênue
Camada do hálito dos Anjos.
No sonho retornamos ao estado
De jardineiros de Deus.
Aramos uma fértil terra
Onde tudo é possível.

É quando temos a oportunidade
De mandarmos sinais
Àqueles que se foram.
Onde transpomos a porta
Do eterno retorno.
Onde nos encontramos
Com o Anjo Errante
E vivemos o déjà vu
De nossa existência no céu.

Com ele sentimos
Como é pungente e intensa
A elasticidade do tempo.
Um terreno onde a percepção
Dos objetos que nos rodeiam
Podem ser ambíguas.

E por todo o conhecimento
De nosso mundo vir em flashs,
Nosso Anjo paira na fluorescência
Das luzes que sentimos ao fechar os olhos.

Ele se esconde naqueles espaços de luz
Que transmudam quando estamos
Entre o real e o sonho.
Quando mergulhamos nos subterrâneos
Do inconsciente e os pesadelos se formam.

O anjo de nosso ser
Traz-nos de volta com um facho
De uma luz condutora que nos impede
De sucumbirmos no abismo das sombras,
Pois só ele conhece as passagens.



segunda-feira, 25 de junho de 2007

Sombras


Tela de Alphose Mucha

A noite entra porta adentro,
Com ela vem junto à solidão.
E nessa hora de inquietação e cisma,
Minha treva interna teima em ter razão.

Minha alma queima de pensar naquele,
Que invisivelmente entra em meu coração.
Que dança compassos em louco delírio,
Atormentando minha alma que nunca diz não.

Quem fez a noite tão sombria e escura,
Sem seu corpo ardente para eu tocar?
E das sombras aponta como um farol,
A voz da razão para me acordar!

domingo, 24 de junho de 2007

Coruja Suindara

Tela Naif de Guido Vedovato


Ela costumava ficar
No castanheiro frondoso,
Mostrava-se quieta e soturna.
Já no inicio do crepúsculo
E a noite inteira,
Reinava como rainha absoluta do silêncio.

Sempre teve um arsenal de planos
E alerta observava,
Até poder quebrar o encanto.

Então, descia de seu recolhimento
E planava nas camadas
Quentes de ar.
E de repente,
Surgia num rompante,
Sem que ninguém se desse conta,
Nem mesmo a presa de seu olhar.

E saciada e plena
Voltava ao castanheiro
A olhar e olhar.

sábado, 23 de junho de 2007

Mesmo que Breve

Ilustração de Ciruelo Cabral

Pedi ao crepúsculo
Um pouco mais de sol,
Um pouco mais de luz.
É o que quero receber
Quando chegar o amanhã.

Quero esquecer águas geladas,
Que passaram pelo meu corpo,
Quero secar minha pele,
No sol dos braços de um novo amor.

Afrontar um novo desejo,
Renovar o valor supremo da vontade,
Dando oportunidades ao meu mistério,
A essa nova luz que virá.

Entregarei-me a ele como a um Norte.
E dentro de nós nascerá um destino.
Liberta estarei dessa longa espera
E essa luz de prazer crescerá para mim.
A dor de existir mesmo que breve,
Em teus braços valerá por nosso amor!





terça-feira, 19 de junho de 2007

Sombra

Tela de Frank Weston Benson

Cada dia suporto duras penas,
Pesadelos me atormentam,
Pois é o âmago da pena,
Que se cola em mim.

Vou entregue e desprotegida,
No todo e em tudo,
Ouço um suspirar que não quero ouvir.

Sombra agoura de pesar tormento,
Afaste seu manto desse meu penar.
Risca-me de seu pergaminho,
Esquece a ressonância de seu farejar.

Sinto o tempo que se vai ligeiro,
Apagando a ninfa de meu existir.
Choro réstias de um clamor de chamas,
Que extingue a chuva desse meu porvir.

Afaste de mim coroa e flores,
Por mais que as ame e me lembre amantes,
O barco de rosas que gira a minha volta,
Não me trás alivio nem por um instante.

Esqueçam as minhas pegadas,
Que ainda querem rodear caminhos.
Se em cem anos quiseres voltar,
Quem sabe então, me envolverei em linhos.


segunda-feira, 18 de junho de 2007

Sede

Tela de Claude Lorrain


Não é mais o coração que dói,
É a minha alma, é a calma, é a sombra,
É o pássaro sombrio do que resta,
Do que sobra desse canto, encanto,
Encantamento.
Esse espanto exato
Do que passa pelo coração.
É o riso extremo da razão
Que dói, que faz sofrer
E traz de volta aquela sede
Que estreita o horizonte,
Que adivinha o azul que some,
Que cansa a minha alma
Que sozinha dorme.
Vai atravessando a calma,
Marcando pegadas,
Enquanto o verde estende-se
E adivinha a sede,
Devorando estradas,
Instala-se em minha boca
Quase tarde, e como senha,
Marca-me e mata-me.

Santa Marina

Ilustração de Bob Eggleton

A dor líquida e sonora,
Vinda num mar de espasmos,
Terremoto abrindo estrada,
Que ia levando uma procissão
De nervos e ossos.
Destruindo tudo no vale da cintura,
Desenrolando-se um cataclismo
No corpo branco e liso.
Ela machucava com precisão de mestre,
Dava testemunho de sua arte
Na fundição dos gritos.
Houve pressas, esquecimentos,
Idas e vindas.
Doutores sussurrando vozes,
Manejos de agulhas,
Tesouras e pinças.
Respiração em tubos,
Líquidos cristalinos,
Entorpecentes e calmadores.
Touca branca, linho engomado,
Noviças e mestres,
Com seus crisóis preciosos
Esculpindo minha carne fresca.
E uma luz resplandecia
A alma e além dela.
Vou numa barca celestial
Em cúpula cabalística,
E paro na fronteira arquitetônica,
Da sala esterilizada.
Santa Marina
Rogai por minha pedra cristalina,
Enquanto esses seres alados,
Passeiam sob a luz
De altíssimas janelas.
Tão pouco pano
Cobre-me à carne trêmula,
Antes de fundirem-me
No esquecimento,
Ouso a voz de Santa Marina,
Aceitando minha voz chorosa.
Dou-lhe ouro pelo acalanto,
E prata pelas lágrimas recolhidas.
Volto ao capricho,
De um corpo de melindres,
De idas e vindas
Que se acalmam.
Depois de brevíssimo silêncio,
E incenso queimado à minha Santa,
Desprendo-me dela
E sigo em frente,
Sou de novo metal,
Trabalhada agora
Por antiga ourivesaria,
Tendo só valor sentimental
Como jóia de família.



sábado, 16 de junho de 2007

As Margaridas são Eternas

Tela de Claudette LeFrançois

Nada afeta o seu esplendor
Ela é linda e dança
No compasso de seu jardim

Conta os dias e as noites,
Guarda lembrança de tudo,
Chuva fina, chuvarada,
Jardineiro e passarinho.

À noite, quando tudo dorme,
Ouve o sussurro do vento,
Sente o carinho do orvalho
E se solta da haste que a prende.

Vislumbra algo maior,
Num mundo cheio de luz.
Volta para o cosmo para viver

Seu primordial destino.

Quem passa pelo jardim,
E a margarida não vê,
Não imagina a estrela
Que ela se tornou!

quinta-feira, 14 de junho de 2007

O Lobo

Tela de Bóris Vallejo

Por entre as folhagens
De uma floresta escura,
Alguém rugia
Um som de procura.

Sinistro e profundo
Eram seus olhos de fogo,
Buscando sua presa
Numa confusão de loucura.
À ronda de sua noite
Era derradeira e certa.

Quando encontrou
Aquele pequeno e frágil ser,
Adormecido num cálice de folha,
Deitou-se sobre ele em êxtase.
Debatendo-se entre uivos e dentes,
Rasgou-lhe a carne trêmula,
Lambendo-lhe o sangue que escorria,
Enquanto penetrava até o fim
De seu corpo humano e ansioso.

O Catador de Papel

Tela de Aleksander Kotsis

O caminho do papel
É sempre cheio
De possibilidades.
Eu caminho
Dentro da noite
Porque o meu sonho
Acaba tarde.
Junto folhas que voam
Ao sabor do vento.
Que contêm
Perguntas e respostas
Cheias de possibilidades.

É noite de néon,
A vida parece plena.
Entre as frestas,
Dois olhos espiam.
Há que se cuidar,
A coragem não pode faltar.

A vida é um sonho.
A vida é um homem,
Que passa com um grande
Saco de sonhos,
Cheio de possibilidades.

O Anjo da Alegria

Tela (desconheço o autor)

Quem nos céus deu a ordem
Para que tu te apartaste de mim?
Não viram eles que estavas comigo?
Que eras o meu amor?
Porque não foi outro o escolhido?
Um que não fizesse tanta falta.
Outro que ninguém amasse tanto?

Eu agora estou num abismo,
Tão profundo e escuro,
Que nem uma tênue luz
Pode me alcançar.

De ti só restou-me a lembrança do sorriso,
E nossos encontros em meus sonhos,
Que suavemente me diz:

Não chores nem se torne infeliz,
O meu tempo já era contado e certo.
Vivi o melhor de mim em ti,
Dei-te o melhor de meu amor.
Agora que tenho que partir,
Deixa-me.

Vou, na certeza de escolher,
O melhor lugar para ti
Junto a mim.
Mas agora,
Tens que viver o seu tempo inteiro,
E não se abandonar à tristeza.
Afaste-a de ti!

Os anjos são aliados da alegria,
E o Eterno em sua sabedoria,
Conta as lágrimas das mulheres,
Deixando os anjos contarem as alegrias.

Quando você sorri,
Trás para si felicidade.
E transborda-me de alegria.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

O Mar

Ilustração de Jim Warren

Líquida me tornei em teus braços.
Escorri-me no que era exato.
Derramei-me em teu dorso quente,
Que se dobrou em concha a me represar.

Procurei fendas escoei regatos
Encontrando braços a me amparar.
Derrubei barreiras modulei mil voltas,
Até ser inteira em um jarro teu.

Fui bebida aos goles de quem febre ardia
E foi tão nascente essa sede louca
Que senti sua boca, eterno sugar.

Num fervor que pede consenti respingos,
Dessa minha água eu fiz derramar.
Evaporei gotas ondulando pele
Escorri-me em névoa para te alcançar.

Penetrei abismos e fui sacudida,
Até dissolver-me neste teu olhar.
Escoei doçura num último espasmo
De êxtase líquido por te abraçar.

E virei dilúvio, encharquei-me em brasas,
Implorei tua boca que tem dentro o mar.

Libélula

Tela de Zhang Wanyng

Súbita e breve
De asas de véu,
Azul como o céu,
Batendo tão leve!
Escapa do olhar
Se quiser roubar.
Desenho um traço,
Tatuo um laço,
Libélula que faço,
Ranhura de luz.

Prece

Desenho de Alan Lee

Luz do mundo
Faz-me de coração puro,
Para direito ter ao
Jardim das Delícias.
Levanta-me como justa e fiel a Ti.
Afasta-me do Vale da Sedução
E me dê o auxílio merecido.
Longe de mim o fatalismo e o fanatismo
Para corromper meu coração.

Estabeleça em mim
A justiça e a força do querer.
Amo-Te acima de tudo
Seguirei o fio de
Tuas palavras.
Doce é o néctar de Teu cântaro,
Que beberei com a certeza de a Ti pertencer.
Tu me farás eterna através dos meus.
Herdeira sei que sou de Tuas riquezas,
Portanto é meu dever cuidar
Dos tesouros que me deixou.
Tenho de Ti o sol, a lua, e as estrelas,
O Mar, as montanhas e as árvores,
Que mais hei de querer!
Fizeste-me como
Tu e agradeço.
Assim espero em Ti,
Pois meus olhos serão atendidos!

O Melhor de Deus

Ilustração de Alan Lee

Contemplo o horizonte
A beira desse abismo.
O silêncio que envolve tudo
É rompido
Como quando se ouve
O bater de asas.
O som de um murmúrio surge
E vem reverenciar-me.
Sou envolvida por ele
Como numa rede de Indra
E espelho-me nesse fio de luz.
Juntos contemplamos a Terra
Em comunhão com nosso respirar.


Muitas noites se passaram
Desde o dia de nossa juventude.
Hoje estamos aqui
Na borda do universo,
Diante dessa vastidão cósmica,
Tão pequenos,
Tentando acertar a sintonia fina
Dessa metáfora que é o mundo.
Ao longe,
A meio caminho às trevas,
Um feixe de luz
Como espadas,
Rompe a escuridão,
Envolvendo-nos,
Fazendo-nos um só,
Dizendo-nos que somos
O melhor de Deus
Depois de muitas tentativas.

terça-feira, 12 de junho de 2007

Olhar

Pintura de Josephine Wall

Descortino o universo
Sombrio e escondido.
Mostro por um instante,
Uma única visão crepuscular,
Àquela primeira,
Que o olho de Deus tocou.
Ele cede-me seu olhar
E eu apanho essa visão
De navegante conquistador.

Incrusto-me na abóbada celeste,
Que irradia um som lírico
Na trajetória dos cometas,
E em delírio, fundimo-nos,
Como aquarela no cosmo.

Derramo-me no firmamento
Em delírio supremo.
Pinto os astros de cores,
Esfumaçando os contornos,
Com sopro divino.

E por uma vontade desconhecida,
Retorno ao molecular
Desejo de ser humana.
Alastrando-me nas nuvens,
Sou envolvida pelo turbulento
Aconchego da civilização terrestre.

Acolhida como anjo caído,
Curvo-me nessa vontade,
Precipito-me a esse peso
Que hiberna no coração dos homens.
Dou-me a eles e compartilho
Minha existência cósmica.
Faço brilhar em mim sua faísca de sol.

Enquanto giro,
Arrasto o tempo e o espaço
E o meu redor é alterado
Pelas órbitas humanas.