quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O Voo


 Tela de Alfredo Prior

Meu voo é rasante e rasteiro
Nesse espaço sem direção.
Voo por lugares que acontecem
Atmosferas de fumaça,
Que embaça o sobrenatural.

Saio de mim,
Deixando meus ossos
Para dormir na perplexidade.

Vou nesse voo enfeitiçada,
Empurrando o sol,
Deslocando as águas
Tentando encontrar o fim.

Do outro lado
O mundo é pequeno para muitos
E grande pra uns.

Voo para um céu de abismo,
Dentro de um subterrâneo mundo,
Que procura um fim.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Fôlego


Tela de William Shih-Chieh Hung


O fôlego me faltava.
Era uma insanidade de loucura
Que se estabeleceu naquele momento.
Uma entrega impaciente, eriçada
Que reproduzia toda a lascívia
Que borbulhava entre seus dedos.

Não conseguia mais harmonizar
Aqueles momentos furtivos.
Uma alucinação penetrava
Através dos poros,
Para se transformar numa textura
Física e irremediável.

Tornei-me luminosa.
O sol atravessava o meu corpo
E um deleite se instalava
Nos terminais de meu ser.

Que fascínio mortal era esse
Que transportava estrelas douradas
Para o meu centro desnorteado?

Assinei um termo de ansiedade absoluta,
Quando fui invadida por sua chama fustigante.

Morria e ressuscitava
A cada contração invadida.
Explodia por entre a mordaça de seus braços.

Eu era uma fruta suculenta
Que se esvaia em sumo
Pela ferocidade de sua língua
Que ondulava êxtase.

Penetrara num lugar clandestino,
Numa reentrância úmida e urgente.
Dentro de uma existência
Incandescente de sol
Que pulsava sob uma rosa alucinada.


sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Terra

 Tela de David Edward Linn


Eu permaneço no ar gelado e telúrico
Desse Universo denso e infinito.
Pairo no hálito de Deus
Que me olha como uma raridade complexa.

Sou a preciosidade mais bem elaborada
De sua sala de criação.
Tenho a mais sutil perseverança de seu sonho,
O que Ele tinha de mais profundo
Em seu pensamento.

Sou a estrela nova,
Aquela que guardará a porta que emerge
O oásis solar, o decantado suspiro divino,
O reflexo da Criação sublime.

Sou o centro de tudo que se encontra
Sob o olho atravessador de moléculas
Dessa divindade.
Sei que estou coberta pelo radiante
Amor cristalizado desse ser celestial.

Apenas me inquieto quando
Ele me diz sua revelação cósmica mais secreta.
Como num sonho de atmosfera radiante,
Ele me sopra gases hipnóticos
E diz com aquele olhar de pai amoroso:
Eu te fiz única.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Pentagrama




Ouça o meu grito que cai sob a folha.
Pentagrama que contém
A nota do meu amor.

Ouça minha voz ensolarada
Que te chama num bemol de luz.
Clave de sol cravada em mim,
Canta o invisível de ti nesta morada
De sons e linhas sobrepostas.

Alastra-te em minha pauta branca,
De pele sonora e ondulante,
Que descompassa nessas colcheias febris.

Notas dissonantes dessem das linhas
E caem sob nossos corpos deslumbrados,
Engendrados num fôlego impetuoso
Pela canção desse amor
Que escalda o cerne de nós.