domingo, 26 de junho de 2011

Caminho de Volta


Tela de Marc Chagall

Pressentia a chuva que vinha
Tombando árvores, roubando telhados
Visíveis e invisíveis.

Os pés encharcados de água
E peixes miúdos avançavam
Manchando o chão de luzes
E respingos prateados.

Dentro do coração, os poemas
Nasciam com ecos,
Confessando um novo amor.
Um que já existia escondido
Na substância da chuva e
No hálito dos pássaros.

Vivia dentro das constelações,
Alucinado para voltar ao que era seu.
O futuro era um corpo celestial
Feito de pequenas luzes
Que marcavam o caminho da volta.

O ritual transpassava a tempestade,
Deixando o eco de sua voz arredondado
Como trombetas que chegam com
O som dos relâmpagos.

Ajoelhei-me pedindo perdão
Pelas luas infinitas de separação,
Pelas ilusões perdidas no mundo
Imaginário que escolhi viver.

Quando você entrou em meu corpo,
Invadindo-me por todos os lados,
Derrubando tudo que falsamente resplandecia,
Eu estava de braços abertos e nua.

Você conheceu os meus aposentos mais secretos.
Toda a minha espera foi banhada de liquens e musgos.
Fui adornada de folhas de crisântemos,
Enquanto bebia de sua transparência e
De seu cálice de néctar por todas as noites.
E foi assim até o fim dos nossos dias.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Noites Adamantinas


Tela de Steven Kenny


Olhos me vigiavam todas as noites,
Flutuando dentro de um rosto jovem e inquieto.
Perfil esculpido de ritos e lumes,
Sufocado de pequenas palavras e lágrimas fugidias,
Respirava um ar petrificado de homem que espera.

O templo de trevas e dentes
Sacudia suas muralhas de pedras verdes.
Uma argila densa e estruturada o encobria.
O vaso do esquecimento prendia o seu corpo
No fundo da noite com as mãos atadas por cipós.

Procurei por muito tempo esse homem
Que me entoara o canto lunar, e falava da
Luz planetária que pairava sob minha cabeça.
Cobriu-me muitas noites com o manto tecido
Por anéis de fumaça dos sonhos.

Trazia na boca as palavras dos adivinhos
E dizia que em meu corpo o amor cabia inteiro.
Lentamente desenhava, com sangue e terra,
Poemas sobre um lugar de cores e música,
Fazendo nossas vidas se estamparem
De pirilampos e noites adamantinas.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Bramindo com Espadas


Tela de Graham Dean


Despedi-me das coisas
Que me falavam sobre a noite,
Dos perfumes e dos reflexos das flores.
Despedi-me dos azuis que banhei meu espírito,
E das aves que orquestraram o meu paraíso.

Fui atrás de um tropel de nuvens selvagens,
Corcéis de crinas erguidas, sem freio e comando,
Que me guiavam desembestadas pelo mundo.

Emaranhei-me nas ruas riscadas de vento,
Que, eterno, vigiava o tempo.
Entreguei-me a velhos desejos,
Inclinei-me a suas vestes de fogo,
Até queimar-me dentro de antigos sonhos.

Dentro da pele de cetim, nas mãos de esfinge,
Transbordei em promessas e girei em círculos,
Até dormir onde mora o destino.
Sim, eu deslizei até a porta do arrebatamento.

Obstinado é o segredo do caminho,
Lento, chama-me para arder na confusão dos dias.
Saio de mim bramindo com espadas,
Cruzo esquinas cheias de futuro,
Invado a órbita inexorável dos segundos,
Que me cobre por completo.

Retrocedo até a eternidade, refazendo o caminho,
De quem estava desaparecido,
Junto dele, ponho-me a ver o nascer do Sol,
Sobre a harmonia perplexa do meu mundo.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

A Minha Voz


 Fotografia de Eugeny Kozhevnikov


Ouça a minha voz
Que te fala com brandura.
Leva-a contigo,
No coração e na boca.

Fala por mim quando
Estiveres com os teus.
Dize com a minha voz,
Sobre a distância dos caminhos,
E sobre o silêncio que mora
Na alma das coisas.

Fala sobre os minutos
E o indecifrável tempo.
Dize que a solidão é líquida
E preenche um oceano.

Fala dos raios e dos trovões
Que açoitam como um chicote
O céu tenebroso e sombrio.

Sobre os negros insetos
Que adivinham o sangue
Nos corpos distraídos.

Que não resta mais nada
Sobre o céu.
Que só ficou um pó agonizante
Espalhado pelo vento.

Que o sabor amargo da vida
Deslizou para o centro de um corpo,
E que olhos viram
Dois seres perdidos, sem direção.