quarta-feira, 25 de julho de 2007

Açucena

Tela de Enrique Medina

Como uma açucena branca,
Abri-me dentro de um jarro.
Inconsolável eu estava,
Porque tu não me olhavas.

Balancei-me com tal força,
Que perfumes espalhei.
Desprenderam-se mil pétalas
Colando-se em ti por querer.

Enrolei-me molemente
Com meu vestido diáfano.
Mordi-lhe a pele toda
Esfregando-me em ti.

E num suspirar de louco,
Rasgou minha carne branca,
Arrancou os meus cabelos,
Mão de lança me mostrou.

Tornei-me uma coisa inerte,
Indefinida e sem norte,
Cortou-me com uma faca
Para me ferir de morte.

domingo, 22 de julho de 2007

Lolita

Tela de Apoloniusz Kedzierski

Lo-li-ta,
Três sílabas líquidas,
Linda como um bálsamo
Que estanca tempestade,
Que escorre quente e úmida
Para as minhas mãos de febre.

Não sei se és realidade,
Ou se é uma criança intocada.
Um martírio de carne,
Que vira um proibido desejo,
De ter-te em mim.

Não sei se o que sonho,
É um vulto pequeno,
Um silêncio que sopra,
Uma vontade de água
Bebida em seu seio
Ainda botão.

Meu rosto de pedra
Busca sinais,
Num corpo de anjo
A se enroscar.
Meu peito é aberto,
Por mãos pequeninas
Que sabem tocar.

Uma flor que caminha
No meu desengano,
Rindo de tudo
O que eu tento deter.

Um barco, uma ilha,
É tudo o que quero
Para te esconder.

Lolita
Tirou-me a alma
Abafando o meu fôlego.
Sou um menino
Perdido em suas mãos.

E quando o dia e a noite
Ainda dançam incertezas,
A verdade do meu desejo,
Louca, grita o seu nome.

Então rompe em sorrisos
E como abelha libertina
Faz-se líquida como mel.

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Estações

Tela de Alphonse Mucha

Era primavera quando rejuvenesceu o meu olhar
E a fonte que refrigerou a minha alma cantava.
Meus pés inquietos, ataviaram-se em sandálias,
Que iriam correr caminhos para estar em ti.

No verão mais tórrido conheci areias,
Debruçando-me nas janelas dos teus olhos.
Vi uma paisagem de sonho,
E me enredei delirando em sua teia.

O outono desenhou uma linha vermelha em meu corpo
E fui levada como folha ao vento pelo selvagem destino.
Queimei um silêncio de amante a suspirar numa vidraça,
Mas acabei esquecendo o fruto dessa paixão.

Fui perdendo folhas, aprendendo a discernir
Nuvens de fumaça.
Mergulhei no inverno de minha vida.
Agora, deito meu olhar neste turbilhão atordoado de sonhos.
Dou conta que posso estar em ti e além de ti sempre
.

terça-feira, 10 de julho de 2007

Sonho de Prata

Tela de Howard Pyle

Quando durmo,
Não sou mais eu,
Sou qualquer coisa de luz,
Sou um campo de amoras,
Sou um gato breve,
Que salta
Virando um menino,
Que ri e ri,
Mas depois chora
De morrer de rir.

É inverno
Quando durmo,
Num noturno quarto
E o tapete voa,
Entoando ecoa,
Um bater de palmas,
Num tocar de flauta,
Vagueando ares,
De floresta escura,
De anjos tão brancos,
Que dormem,
Quando durmo,
Neste sonho meu.

sábado, 7 de julho de 2007

Louca por Lorca

Tela de Marc Chagal


Quando leio os poemas de Lorca,
Fecho os olhos,
Transformo-me nele
E declamo com voz rouca
Em castelhano.

O ar se encrespa,
O vento rodopia,
As folhas se enredam a minha volta.

É neste momento que ele entra
Em meu corpo
E se faz presente.

Calmo e viril,
Com um olhar doce
E mãos inquietas,
Percorre-me e
Deixa-me louca por Lorca.



quarta-feira, 4 de julho de 2007

Aprendiz de Frida Kahlo

Tela de Frida Kahlo

Vejam vocês que força de alma
Tem essa grande Frida.
Ela possibilita aberturas de portas.
Sua visão de mundo, nos une,
Faz-nos uma só.
Somos sincronizadas nela,
Ela sintonizada em nós.
Por isso, vale a pena viver
A loucura de Frida.

Tenho tido muitas Fridas
Nos meus dias.
Sua voz alcança-me.
Ouço o seu chamado,
Então canto cantigas espanholas
E ponho-me como ela,
Sapateando as vicissitudes.

Não quero decifrar nada com urgência.
Quero tudo aos poucos,
Uma busca ilimitada,
Misteriosa como o universo.
Coloco-me como uma aprendiz
Dessa figura espantosa
Que desfibrila nossos nervos
Até os ossos.

Os Sonhos de Frida Kahlo

Tela de Frida Kahlo

Ela já tinha se acostumado às sombras.
Não tropeçava mais nos detalhes inúteis:
As coisas e os outros.
Na sombra nada existia,
Ficava tudo quieto a esperar.

Ali estava somente com seus pensamentos.
Decifrava os sonhos com seus símbolos.
Torturava-se com o espartilho de metal.
Minúsculos, ganchos,
Despertavam-na obstinadamente,
Para uma realidade enferma.

Não tinha o sonho vulgar dos que dormem.
Sonhava campos de dores.
Sonhava o céu líquido de lágrimas.

Sentia-se plena no mundo das sombras,
Suspensa pelo vazio.
Nenhuma nesga de luz a profanar
A quietude de seus dias.

Ali em seu quarto ela não via limites,
Nem paredes, nem nada.
E dessa obscuridade nascia,
Um redemoinho de formas e cores,
Que nos golpeiam até hoje.

O Jardim

Tela de Alfons Kappinski

Nasceu um jardim
Na palma da minha mão,
Sem jardineiro que o tenha regado.
São plantas que apareceram
À própria custa.

Por isso são tão obstinadas.

Onde quer que eu ponha os olhos,
Elas estão lá, bebendo todas as águas,
Enfim, nada mais tenho com isso,
Eu só sei as palavras
Para dar e receber.

Quem me dera essa água
Fosse mais fresca.
Hei você! Não vá comer
Minhas flores.

Já houve tempo, que foice e martelo,
Queriam dar cabo delas.
Eu ainda era inocente,
E só queria algumas flores.

Agora que o tempo passou,
Eu sei que querendo ou não,
Terei que cortar o meu jardim.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

O Sono de Frida Kahlo

Tela de Frida Kahlo

E fui coberta com pétalas de flores,
Nuvens de terra fresca me acariciam.

Estou quieta neste campo santo.
Sinto uma solidão de morte.
Ouso murmúrios do vento,
Que vem para acariciar-me.

Alguém me chama traduzindo encantos
Indefinido é o vulto a me acenar.
Saio de um sono vermelho-arsênico,
Pelas alamedas traço meu caminhar.

Sinto a brisa que balança o tempo,
Sacode-me inteira nesta escuridão.
Bebi demais do vinho da esperança,
Para terra fresca ter por guardião.

Estou sozinha e não sei voltar,
Para os braços quentes de meu amor.
Vou buscar por ele que lamenta e chora,
Meu corpo quebrado de ânsias que implora,
Por uma réstia daquele calor.

Deitada estou em leito de linho,
Coberta de flores, perfumada em açafrão.
Vou buscar por ele, através dos sonhos
E pintá-lo azul neste meu caixão.

domingo, 1 de julho de 2007

Teu Rosto

Tela de George Frederick Watts

Busco um rosto definido e único,
Que me fugiu lá atrás no tempo.
Meu coração aguarda
Batendo em alta ressonância.

Estou aqui,
Olhando o céu,
Esperando que um anjo
Ofereça-me uma alegria
Que seja infinita,
Que nunca mais me fuja.

Eu estou aqui,
Olhando tudo,
E existo somente para recriar-te,
Quando não mais existir.

Não se esquece
O que foi bom no passado.
O laço de ternura
Que amarrou meu coração,
Tem um rosto
E eu ainda sinto-o.

Eu vou junto com ele.
Mesmo na distância de tudo.

Há anos,
Deixo uma vela em minha janela,
Faço vigília,
Iluminando o teu caminho,
Para que volte para mim.