sábado, 29 de janeiro de 2011

Imagem



 Tela de Nicoletta Tomas Caravia

Retorno a tua imagem,
Renovo-a em minha memória,
Que a manteve guardada até então,
Em segredo.

Suplico que abras
Esse véu espesso
E entre na camada fina
De meu imaginário sonho.

Viole a lei oculta
Que te afasta de mim.
Invoque o deus
Que faz renascer quimeras.

Suplique, se necessário for,
Mas venha invadir meu leito.
Diga que foi solidão demais,
Que é insustentável e morro
De saudades.

Que me encontro no centro
De uma eterna espera,
Sem fôlego livre
Para respirar por mim.

Peça para retornar
Ao teu lugar de relâmpago.
Despedace todas as portas,
Se necessário for, mas venha
Para o meu corpo de silêncio.
Venha abrir as cortinas
Cheias de lembranças.

Quebra-me ao meio se for pra dizer,
Que é tarde demais pra retornar.
Dobra-me até a morte
E passe longe desse abismo
Se for pra dizer que não voltará mais.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Destino


Fotografia de Anke Merzback



Sou aquela que dobra
Ao sabor do destino,
Que chama o encaixe,
Que vira de lado e diz:
Quero mais!

Escorro um caminho,
Ordeno que venha,
Que entre na chama,
Que beba o meu gosto,
Que seja o meu ninho.

Não tem argumento que diga,
Que não pode ser.
Que se apague o momento,
De isso acontecer.

E quando se der,
Todos hão de saber,
O destino é uma criança,
Que quando quer,
Tem que ter.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Olhar

Tela de Duffy Sheridan

Descortino o universo
Sombrio e escondido.
Mostro por um instante,
Uma única visão crepuscular,
Àquela primeira,
Que o olho de Deus tocou.
Ele cede-me seu olhar
E eu apanho essa visão
De navegante conquistador.

Incrusto-me na abóbada celeste,
Que irradia um som lírico
Na trajetória dos cometas,
E em delírio, fundimo-nos,
Como aquarela no cosmo.

Derramo-me no firmamento
Em delírio supremo.
Pinto os astros de cores,
Esfumaçando os contornos,
Com sopro divino.

E por uma vontade desconhecida,
Retorno ao molecular
Desejo de ser humana.
Alastrando-me nas nuvens,
Sou envolvida pelo turbulento
Aconchego da civilização terrestre.

Acolhida como anjo caído,
Curvo-me nessa vontade,
Precipito-me a esse peso
Que hiberna no coração dos homens.
Dou-me a eles e compartilho
Minha existência cósmica.
Faço brilhar em mim sua faísca de sol.

Enquanto giro,
Arrasto o tempo e o espaço
E o meu redor é alterado
Pelas órbitas humanas.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A Estrela


 Tela de Donato Giancola


Houve um canto de guerra
Marcando o inicio da grande viagem.
O retumbar de tambores vinha do centro,
Seu corpo agora pertencia aos furacões.

Mãos tingiam-se de sangue
Por pintar poemas de tristeza
No corpo da musa agonizante.

Unguentos e pós-curadores
Foram usados na hora das dores,
Mas foram os cantos amorosos
E fragmentos de doces palavras
Que estamparam o alívio em seu rosto.

Pequenos anjos foram chamados
Para tatuarem signos astrológicos
Em seu corpo frágil.
Escreveram poemas e desenharam flores,
Marcando o caminho das lunações.

Ela ardia em febre.
Sentia em sua pele, agulhas e crisóis,
Enquanto dançavam um ritual grotesco
De lâminas e luzes.
Ela era o sacrifício e estava sendo imolada.

Chovia em seus cabelos e pirilampos
Traziam folhas frescas, embebidas em orvalho,
Sedando sua boca.

Todos pediam por ela, os visíveis e os invisíveis.
Que lhe outorgassem o premio da cura,
Que a coroassem de novo rainha.

E os cânticos sagrados, épicos e líricos,
Fizeram-se por varias noites, até a sétima lua.
Foi retirado de seus olhos o sal do choro
E as feridas de seu corpo foram seladas.

Seu corpo ficou oculto, enquanto os deuses
Impregnavam-lhe substâncias da criação.
Sua figura foi se transformando em
Borboleta, passarinho, névoa e chuva,
Até ser novamente uma estrela
Na constelação de sua família.


quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Unicórnio

 Tela deDon Maitz


Vi o unicórnio voltar
Trazendo a serenidade.
Decifrei cada instante em que
Passamos nos jardins do palácio.

Aprendemos juntos os caminhos
E o culto à coragem.
Andamos sobre passos leves,
Para não precipitar o perigo.

Fomos complacentes com o inimigo.
Estávamos intocáveis
E não havia olhares entre nós.
Não queríamos nada deferente,
Além de existirmos.

Marquei com pedras o destino da volta,
Para não ficarmos presos
No esquecimento da lenda.

Nos separamos na alvorada,
Na remota região dos sonhos,
Mas por mais que eu finja não ver,
Sua sombra ainda me acompanha.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Trevas

Tela de Sophie Anderson

Alguma coisa se derrama
Fermentando nos meus dias.
Os olhos ardem pelo assombro indiferente
Que encena a mesma tragédia.
De minha boca nascem murmúrios,
Clamando a eternidade nesse ritual sagrado.

Sou levada em delicada liteira
Para o palácio dos delírios.
Vou vestida de sol
E me sopram um vento ondulante.

Meus olhos teimam em ver
A luta da esperança
Espalhando escorpiões pela noite.

De meus seios cintilam libélulas
E as trevas se adensam
Consumindo a claridade.

Caronte me faz o sinal
E eu entro em sua barca de adaga pronta
E moedas contadas.
Vou ser extinta e o meu sangue oxida
Na ampulheta.

A terra se prepara com musgos de veludo,
E a engrenagem roda o fim do funeral.
Mesmo sabendo que aqui tão longe
É tua a minha solidão,
Tudo se acalma quando me deito
Em meu leito sepulcral.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Olhos Devorados


 Tela de Rafal Obinski


Estou embriagada de você.
Caminhos e atalhos
São vigiados buscando as horas de te beber.

A luz que baila de seus dedos,
Brinca no ar de meu corpo,
Quando toca os bordões da nostalgia
Para eu ser semente levada pelo vento.

Misturei o meu néctar a você,
Quando fui sugada de minha substancia febril.
Você bebeu de minha boca, a loucura
E mil punhais de sombra.

Estou perdida pela ventura de ser vinho.
Deixo para trás os falsos sabores
E me amenizo em seu fogo atemporal
E em suas horas de colheita.

Os dias de brandura se afastaram
Para nascer uma vastidão de tormentas.
Os pássaros assediam o meu espírito,
Invadindo os parreirais que nos unia.
Meus olhos devorados não os espantam mais
E sua voz sem canção está distante.

Tento respirar de novo,
Mas estou transfigurada num rosto invisível.
Estamos perplexos diante de frágeis instantes.
Todos recolhidos de oferendas noturnas.

Vivemos uma perturbadora intimidade
Engastada numa distância
E na lembrança de termos bebido tudo.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Corda Tensa


 Tela de Riccardo Mantovani


Reconheço que não é tempo de ser feliz.
Mariposas sobrevoam a minha noite
E lobos sacodem os ventos
Para beber da água que espelha o desespero.

A corda tensa do arco vibra
Ao som da voz que grita uma melodia.
Suas palavras silenciam a orbe dos planetas,
Que giram em meu universo.

A dor de se viver é imensa,
Daí nasce a angustia de ser,
Que só se transmuta se és comigo.

Se estás aqui, em meu caminho surge rota.
Meu coração esmagado rejuvenesce
Palpitando um redemoinho e
Adenso-me para escapar do sofrimento.

Viro pássaro e renovo minhas asas
Na ferocidade dos dias.
Quando chegam os tambores
Ressoando a guerra,
Eu sou a primeira a guardar as palavras
De dor e mostrar as benditas.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Minha Flor

 Fotografia de Emma Hack


Em algum lugar preparado
Uma flor me espera.
Duplas folhas simétricas,
Tímida haste branca,
Cálice redondo, lunar.

Desperta agora para eu ser perfume,
Sê para mim, pequena e cálida,
Consagrada de cinco pétalas,
Espírito de estrela.

Celebro-te em meu bosque,
Aroma de jasmim,
Diadema de luz em meus cabelos,
Contorno de fita, auréola em mim.

Venha, pois sou seu prenuncio de primavera.
Inquieta-me seus intervalos nas estações.
Acostumei-me contigo,
Com seu renascer em meu coração.

Emerge-te em minha noite
Para que eu, como um pássaro,
Beba o licor de sua boca.
Sê festa em meu vestido,
E desabroches no vazio da trama.

Sei de ti desde o amanhecer.
Juntas estabelecemos
Uma inquietante atmosfera.
Eu no jarro e você no quarto,
Quietas para fenecer.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Na Superfície do Mundo


 Tela de David Edward Linn


Feliz ele que nunca perguntava,
Que desconhecia as palavras,
Que não sonhava e vivia arrebatado
Da miséria humana.

Ele que não conhecia caminhos,
Nunca se perdia perseguindo sonhos.
Andava as cegas, silencioso,
Coagulando-se no tempo.

Vivia sem compromissos
E sua órbita lenta não palpitava.
Não valorizava a vigilância
E não teorizava em torno dos elementos.

Estava no avesso do mundo,
A beira de um penhasco sem se dar conta.

Talvez, quem sabe, ele não visse as coisas,
Porque já as habitasse.
Estava somente na formação da bruma,
No vento quando ainda não era.

Vivia na superfície do mundo
Por sabê-lo inteiro e sublinhava desenhos
Parecidos com constelações.

Esse seu mundo se abria
Em infinitas variações que somente
Num duplo espelho se permitia ver.

O seu mundo era um sopro sem resistência.
Ele, que pensavam que ainda havia de ser, já era.
Absoluto naquilo que esperavam.
Seguia sozinho, quando o chamaram.
Ia com uma vela acesa nas mãos
Mostrando o caminho.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Saudades



 Fotografia de Derly Barroso

Tenho uma saudade tão imensa,
Que chego a deslizar pelo silêncio
Que mora nas paredes de meu quarto.

Sua falta é de uma dor tamanha
Que sinto o peso da tristeza
Desdobrando-se sob minha alma.

Todas as cores se transformam em sangue,
Matizando o anoitecer de minha ilusão,
Num imenso céu inacessível.

Vejo suas promessas tomarem forma
Quando esvazio as ânforas
Ansiando descobrir o oculto de seu ser
E só encontro a solidão delas.

Estou dentro de um pesadelo
Levada por caravelas negras
E não sei o fim do meu destino.

Tenho o coração atormentado
Por um crepúsculo desconhecido,
Um frio que me tomba
No bosque de uma paixão lendária.

Conheço a boca que canta
Essa melodia entrelaçada de tormento,
Pois a mesma voz já me fez
Promessas de paraíso.

Chego a me transformar em você
Para amenizar essa dor agonizante.
Canto sua canção, até minha dor adormecer,
Fingindo te reconhecer em mim.

(Ganhador do Concurso de poetas da Proibido Proibir)

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Um Poente

 (desconheço o autor)


Queria te ter como uma sombra
Que passa sem deixar vestígios.
Que fosse só silêncio extremado,
Que não ondulasse sua ternura
Sem medida e sua voz de doçura.

Que deixasse o pó em paz
E as folhas soltas,
Ancoradas em meus dedos.

Que fosse apenas como
Um salgueiro quieto, sem ventar.
Estivesse apenas para existir
E resplandecesse para eu te olhar.

Que fosse música quando
Eu me despedaçasse no chão
Como vaso de cristal
E fosse silêncio enquanto
Eu derramasse palavras no papel.

Que não cantasse a minha volta
O seu bem querer agonizante,
E me mostrasse sua corda tensa
E corrompida pelos meus invernos.

Que atravessasse calmamente
Esse mar sem farol,
Enquanto minha noite
Delineasse um poente para nós.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Sepultura Invisível

 Tela de Marc Chagal


Conheci um longo dia de tristeza.
Ouvi duras palavras saírem de tua boca.
Fiquei amarrada sob um clima descoberto,
Abandonada as tempestades de sua voz.

Fui devorada pelas águas dos meus olhos
Numa longa noite sem lua.
Presa num deserto sem oásis,
Dormindo na garganta da serpente.

Sigo sozinha atrás das sombras
Que o sol deixa nas paredes.
Não conheço mais ninguém
Que se recorde de mim
Quando ainda tinha asas e voava.

Ajudei-te a construir Nínive
Com meu riso e suspirar,
Mas você veio com suas falsas profecias
E ela já não existe mais.

Enquanto eu mantinha
O infinito preso no horizonte.
Para que teu palácio
Perdurasse no mundo,
Você fazia sangue em meu corpo.

Esquecestes que fui sua música
E que sonhávamos o som das esferas.
Acreditei no que saia
Do movimento de tua boca,
Mas você me fez repousar
Numa sepultura invisível.

Agora estou me tornando silêncio
E volto a dormir no fio da vida
Para me tecer novamente.

Ao olharem para nós,
Ninguém saberá ao certo
Quem é quem,
Depois de te desenrolarem de mim.

À Noite dos meus Dias


 Fotografia de Derly Barroso - modelo Rachel D.Moraes


Somente me harmonizo
No movimento cósmico
De tuas mensagens.

Na expressão palpitante
Fincada nas palavras
Dos poetas, levito.

Todos os dias você
Flui em mim
Desfilando versos
Que dançam na obscuridade
De minha alma.

Tento alcançar a ascética
Fraternidade dos
Rarefeitos fonemas.

Busco a origem
Dos dialetos esotéricos,
Entre esses retalhos
Escritos que me manda.

Cada palavra é música
Que abre o meu silêncio.
É um instante de ternura
Para que eu possa atravessar
À noite dos meus dias
Nesse universo taciturno.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Presságios

Tela de Iman Maleki



Apoiei-me em momentos de ternura,
Embriaguei-me horas inteiras de luz.
Caminhei ao lado de sua nostalgia,
Até sentir presságios.

Uma fogueira voraz ardeu
Em meus olhos.
Língua se fez, e palavras foram
Ao fundo de mim.

Eu era casual como a chuva,
Era a urgência de te fazer nascer o sol,
Era a pressa de ser feliz por um dia.

Ninguém mais sabia,
Mas eu era a que te pertencia.
A que escutava teus dialetos sombrios,
Afastando de ti
Os redemoinhos que nasciam.

Dois Perdidos


 Tela de Van Gogh


Talvez tivesse sido num sonho,
Eu ser brasa em sua boca.
Agora não conseguia mais
Existir em suas palavras.

Fui abreviada dos sorrisos,
Quem sabe, apenas uma cicatriz
Tenha ficado no céu da boca.

Pela falta de nós dois
Bebeu-se todo o clarão
Que restava da noite.
Os espelhos foram encobertos
E os panos foram sacudidos
Para deixar cair a escuridão.

Os fantasmas triunfaram,
Apesar de meu espanto.
Dentro dessa hora morta,
Espero a navalha de um homem cego,
Que cortará minha garganta.

Um homem lapidado por angustias,
Com a boca cheia de abismos,
Perdido dentro da vida.
Talvez tão perdido quando eu
Dentro da noite.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Rocha Lavrada


 Fotografia de Roberto Rubalcava


Você me trás nuvens de felicidade
Em horas incertas.
A minha volta elas se tornam elétricas,
Como se acabassem de chover delírios.

Sua ternura ausente me consome,
Seca minha garganta
Abrindo em meus olhos
Uma corredeira deslizante
De rocha lavrada em esperas.

Uma palavra rubra
Me estilhaça vértebras,
Giro em vertigens
Para cair despida de você.

Todas as fronteiras
Golpeiam esse amor faminto,
Retendo um acúmulo de vozes
Em minha cabeça.

Aos poucos vou me entrelaçando
Em um vento que me trás monossílabos,
Deixando-me enganar
Pelo vazio da prosa inteira.