segunda-feira, 23 de maio de 2011

Menos que a Morte

Tela de J.M.W. Turner



Sou uma estrangeira em mim.
Torno a voltar num país de sonho,
De luz e de infância
Perdida num vendaval de espumas.


Aquela voz que me chamava
Já não existe mais,
Mudou-se para o desconhecido.
Estou só num mundo de lembranças
Que brotam como erva-daninha,
Sempre e sempre.


Estou quieta numa morna solidão de tédio
E minha esperança é essa voz
Que ecoa sem se importar com nada.

Vem me falar ainda uma vez.
Acalma-me neste país de solidão.
Traga-me um sopro de alento
Que morro de estar viva.


Nesse insondável mistério de você
Que de tão perto se faz tão distante,

Que se mantém escondido de mim,
Num lugar de sonho.

Pare de mostrar-me a todo instante,

Que é preciso menos que a morte
Para me fazer morrer.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Aprisionada


 Fotografia de Eugeny Kozhevnikov


Aprisionada num céu de cor sangrenta,
Amparo em meus dedos
Uma grinalda de lágrimas cheias de segredos.

O sorriso resvala numa sombra perseguidora
Que me acompanha pela vida.
Falta-me voz para falar o que me falta.
Tenho o coração coberto de silenciosos gritos.

Convivo com invisíveis seres de penumbra,
Que só se mostram nas trevas.
Durante o dia sou chuva empoçada
Num impenetrável sorriso.

Tenho nos olhos uma luz esfaqueada,
Repleta de sinais que descem
Formando desenhos de labirintos.

Vim para ser sonhada, querida e fortalecida
Por um guardião do tempo,
Mas fui esquecida por sua escolha.
Fatigado, derrubou-me.

domingo, 15 de maio de 2011

Ranascida de Mim

Tela de Susan Hall



Junto flores de silêncio e sonho,
E troco por um vento de canto sibilante.
Decifro o código das dores, para manter
O fogo que arde em mim.

Deito no azul turquesa das águas fluviais,
E sigo num remanso de esperança.
Heras de veludo me cobrem,
Lembrando o som de meu nascimento.

Preparo o caminho verde de musgos frescos,
Para meus passos se tornarem confiantes
E renovados.

Desvendo todo o segredo que queima
Minha garganta e o meu ventre
Quando pronuncio o seu nome.

Torno-me primavera em pleno inverno,
E um deus de luz me conduz
A lençóis de névoa e pétalas.

Descanso em seu colo de ternura,
Em meio a uma fragrância de lírios,
Enquanto ele sussurra um verbo vivo,
Dizendo que eu estou renascida de mim.

A Letra

 Ilustração de Elsa Brondo


A letra me alerta.
Abro cada palavra
Com faca de ponta.
Afino o som com golpes
Até chegar nos ossos.

Não encontro leveza nas palavras,
Mas restos carcomidos de tinta seca.
Decupagem de pedaços recortados
De meus sentidos inexatos.

Furto velhos hábitos
Costurando um fio
De linha tinta de sangue,
Que exangue,
Um perfil desesperado.

Encontro palavras efêmeras,
Que renunciaram esperanças.
Raspo cada letra com cacos de vidro.

Enxergo mensagens ocultas
Que suspiram na folha cortada.
Escrevo novamente a dor,
Com letras de silêncio.