sexta-feira, 29 de abril de 2011

Seu Gesto

Tela de Michael Whelan



Não sobrou mais nada
Daquele lugar longe do mar.
De mim, apenas um grito
Projetado do âmago
De uma folha em branco.

As manhãs estão cinzas
E seus passos que vagavam
Dentro de meu coração
Agora sonham em outro peito.

O abrigo suave está em ruínas,
Pouco sobrou de quase nada.
Foi-se o inventor de sonhos,
Perdeu-se o começo da noite
Que eu guardava na palma da mão.

Tentei trazer outro construtor
De caminhos ondulantes,
Outro que soubesse mais
De pontes de abrigo
E uma casa de pássaros e vento.

Não sei mais como saber sobre encontros,
Dentro dessa história cheia de silêncios.
O ar que continha o meu fôlego
Quase dentro do seu,
Agora flutua sobre um projeto de gestos
Dentro do meu corpo que morreu.


Ganhador do Premio de Poesia da Comunidade É PROIBIDO PROIBIR do Orkut.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Rio Nilo


 Tela de Jia Lu


Quanto tempo vai durar
O meu dia nessa noite escura?
Vou de volta ao palácio das brisas,
Com suave perfume de rosas,
Onde se encerram os suspiros.

A estrada das tamareiras é real
E eu caminho em busca do sol.
Meu destino segue embriagado,
E quem o conduz é cego
E desconhece essa paisagem invisível.

Dunas de areia vão se levantar
Formando montanhas entre as brumas
Do sonhado, mas eu acharei o seu caminho,
E seremos levados sem conta nem tempo.

Estou afundando neste sono
E nesta noite de espera,
Sendo para você
A mais delicada sombra
Que vai se arrastando
Para o centro do crepúsculo.

Encontro um rio mitológico
E bebo na fonte de um Nilo
Que reflete a aurora.
Ele coloca o sonho numa
Selvagem desordem.

O deserto me arrebata,
Rouba minha sombra
E meus dias de ilusão.
Solto minhas mãos
Que ficaram em espanto
Procurando você nessas águas.

Sou colocada numa noite de febre,
Num deserto de dunas que venta desejos.
Nossas almas virão para dentro do corpo,
Se soltarão absolutas,
Em busca dos gritos, antes que nossos
Abraços se arredondem na superfície desse rio.

Tecendo Calafrios


 Tela de Balthus


Tudo se desfez no poente.
O que havia ali era ilusão.
Folhas soltas, boca seca, e ausência.

Meu rosto, emaranhado de doçura,
Foi rasgado na intempérie do desprezo.
Águas glaciais me conheceram
Pelas lágrimas que derramo
Em tuas mãos.

Tenho a terra fria me esperando,
Um sulfúrico aroma sem desejo.
Lágrimas que tecem calafrios,
No vazio interstício dos teus beijos.

Meu olhar de luz virou treva,
Apunhalado por sangue e aço.
Minha voz é um grito peregrino,
Buscando-te rouca pelo espaço.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Força Cósmica


Tela de Jake Baddeley



Nossa iniciação começou
Na clausura das alvéolas,
E por qualquer força cósmica
De dança das constelações,
Estrelas não nos reconheceram,
E fomos remetidos a um ritmo
Frenético à solidão da noite.

Éramos estrangeiros,
Dávamos passos em volta
Sem nos reconhecermos.

Foi o vento gelado de ar arredondado
Que fechou a caixa de carinhos.
Deixou-nos como duas crianças
A se debater numa infância mágica,
Ainda no encontro de nós mesmos.

Da noite ao dia, do nascimento à morte,
Estávamos olhando-nos de longe.
Apesar do nosso eterno retorno,
O futuro prometido
Estava sempre no passado.

Nossas mãos agora se acendem
Chamando-nos desde a distância de tudo,
Iluminando o permanente movimento
Das nossas estações.

Aguardamos a melhor conjunção planetária
Para entrarmos nas esferas celestiais do encontro.
Uma rede espessa de cristais nos prenderá
No princípio de suas contas brilhantes,
E será a ressurreição de todos
Os nossos instantes vividos
Antes de nossa morte.

Uma energia de radiações nos envolverá,
Crivando-nos de sol, e sairemos
Da sombra dos poemas
Para bebermos da seiva do alvorecer.