sábado, 26 de fevereiro de 2011

Espessura da Noite



 Tela de Riccardo Mantovani

Quis evadir-me daquele momento,
Tentava fugir da atmosfera de pânico
Que o tempo trazia.

Fui suplicante com as horas,
Eram pródigas de bons conselhos,
Quando lhes pedia decisões.

Entre os minutos, uma ponta de amargura,
E o período de estagnação dos segundos.
Passado o tempo de espera, ele chegou.
Crepúsculo invasor do horizonte.

O poente refletido em meus olhos,
Pupila de veludo negro fecha a cortina
E o turbilhão invasor entra.

Tudo ferve na penumbra,
Treme as paredes, os ladrilhos se soltam,
Porque corpos sonolentos
Debatem-se na espessura da noite.

(Este poema ganhou o premio de poesia de Proibido Proibir)

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Irremediável

 Tela de Oshiro Tachibana


Foi tanta ânsia louca
De te ter dentro de mim,
Que me fiz desatar
Dessa vontade enfim.

Articulei uma lógica
Insensata e cega
De precipitar-me
Atravessando-me em ti.

Decifrei poros,
Descobri músculos,
Penetrei mistérios
Até dobrar-me
Neste frenesi.

Despertei teu rastro
Encontrando algo que
Cintila um astro
Encaixando em mim.

Arrastamo-nos um ao outro
Com a avidez de um louco
Dilatamo-nos,
Eu em ti,
Tu em mim.

E irremediavelmente
Como água limpa,
Derramo-me
Neste corpo urgente
Que sedento sela
Sua vontade em mim.

Selo



Ganhei este selo maravilhoso da Van do Blog Retalhos do que sou.
Ele é um doce.

Passo essa gentileza aos blogs abaixo:

Pinturas Näif de Helena Coelho
Mais um Trago
Ovos
Rosa do Cairo
Passeando pelo Cotidiano
Atirando Mensagens ao Mar em Garrafas de Vinho
Mar de Versos
Palavra de Mulher
Cristal de uma Mulher
Macário Campos

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Labaredas


 Tela de Nicoletta Tomas Caravia


Queimamos dentro da noite,
Veia intumescida de sangue que brota
Estações de loucas sementes.
Terra lavrada de sêmem,
Cintura que treme em delírio.
Luz difusa das nebulosas,
Escreve um verso com o calvário
Que sai do inferno entre as coxas.
Renasce no esplendor da demência,
A garganta grita seu nome,
Sombra voraz a espreita.
Figura escorregadia contempla
A desordem alucinada dos beijos.
Paisagem molhada em suor,
Migalhas da noite alucinam,
Batalham no lençol de linho,
Por dois caminhos e seios.
Um abraço feroz esquarteja,
Um corpo afundado na cama.
Constelações estremecem e gritam,
A carne sangra e queima
Em labaredas e gozo.
Um astro subindo no ventre,
Com um incêndio entre os dentes,
Sacudindo a serpente da noite,
Que entra latejante e louca.
Rasgando a cortina em chamas
Que sai do céu de minha boca.
Suntuosa doçura que engasga
Sacia o lugar mais profundo.
Estrelas saltam dos olhos,
Soprando o nosso abandono.
Caídos sem fôlego e atônitos,
Por pouco incendiamos no quarto.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Juntos


 Tela de Odd Nerdrun


Alguém lançará uma flecha no meio da noite,
E será vista caída num deserto.
No centro dela estaremos nós.

Nela, recuaremos o instinto de viver
E nossa intimidade
Será acolhida pela terra.

E será insuportável esse tempo de dor
E o extravio de nossa carne para o barro.
Aves bicarão nossos olhos
Engastados numa face sem espírito.

Instantes frágeis e arrebatadores
Como uma música noturna
Nos levará em levitação.

Olharemos um para o outro
E estaremos etéreos
Dentro de um obscuro tempo.

Nos despediremos
Para sermos recordação
De uma vida intensa e breve.

Seremos colocados em uma única urna.
Lacrarão o ataúde com beijos de amantes.
Cântaros de cânfora entrarão em nossos corpos
E bálsamos de flores escorrerão sob nossa pele,
Deixando uma idéia de aroma distante.

Ouviremos um murmúrio de rezas
E nuvens luminosas irão abrir o céu
Nos mostrando o silêncio.
Entraremos de mãos dadas
E juntos beberemos o sumo da eternidade.

Estaremos num caminho de algodão e estrelas,
E quando eu chamar o teu nome,
Lírios se abrirão e teu rosto será divino.

Depois de conhecer o sobrenatural,
Ficaremos ali, no âmago pontiagudo
Daquela escuridão visceral.
Deitaremos juntos numa cama de nuvens ondulantes
E aspiraremos novamente o ar do renascer.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O Campo

 Tela de Oleg Ravdan


Há um silêncio instalado
Dentro da noite.
Das gargantas feridas
Apenas os gemidos abafados.

A verdade se esconde apavorada
E os tanques avançam no suplício
Desesperado dos homens.

Tudo é gangrena e morte.
As balas voam alojando-se
Nas perguntas pautadas.

Uma lenta agonia invade o campo
E a adaga corta cabeças.

Ferro retorcido extinguindo espécies.
Amanhã ainda verei esse delírio
Ceifando a felicidade.

Os corpos dançarão desequilibrados
Rumo as trevas.
Eu estarei sozinho no vazio,
Com meu lenço branco
Manchado de sangue.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Única Chama


 Tela de Sir Hubert Herkomer


Busquei por ti em todos os lugares.
Refiz todos os ritos da imaginação,
Usando uma arquitetura de sons
Edificada no ritmo mais puro,
Para alcançá-lo no tempo.

Visitei o começo de tudo,
Procurando-te dentro das coisas.
Escrevi nossos nomes na árvore da vida
Marcando o princípio do encontro,
Num fio tênue dentro da primavera,
Enquanto a vida nos pensava.

A lâmina cortou cada trama
Que se emaranhou entre nós.
Mesmo assim fomos cegados
Pelo brilho dos cristais espelhados
Daqueles que vigiavam.

Passo a passo, desfiz as metáforas
Dos jardins suspensos,
Mas não te encontrei em nenhuma flor,
Ser alado ou espelho d`água.

Equilibrei-me no ar rarefeito
Das longínquas montanhas,
Para falar com as águias
Sobre o teu paradeiro
E só ouvi fórmulas entrecortadas,
Vindas da percepção dos pássaros migradores.

Vi o desenho de teus passos
Gravados nas pedras.
Dos sulcos saiam rios transparentes
Como vidro, que entravam em minha boca,
Cheios de pedidos.

Tornei-me líquida para acompanhar
A transformação do caminho do rio
E fui renascendo pela eternidade,
Buscando iluminar-me em ti.

Minha ânsia espiritual voava te buscando,
Pois eras o meu templo perdido.
Rodei como espiral atormentado,
Desdobrando-me para o teu encontro.

Um sonho incandescente e sedutor
Enfeitiçava o meu corpo,
E pensava acalmar-te como amante.
Acordei cada dia numa prece de busca,
Sob uma luz recolhida
Desse caminho desconhecido.

Suplicante segui tentando
Descobrir a ordem da vida e da morte,
E a pulso sustentei os dias,
Para encontrar-te ainda nesta vida
E sermos uma única chama.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O Nauta


 Tela de Odd Nerdrun


Venho como um nauta atribulado.
O oceano desobedece minhas ordens,
Serrando ondas revoltas,
Coroando meu pranto em espuma de sal.

Tufões e rajadas de vento
Enganam minha fragata desnorteada
Que vaga a ermo, rumo ao desconhecido.

No fundo do oceano, o festim acontece.
Já me chamam de Netuno
E sereias me tecem colares de corais.
Vou enfeitiçado pelo canto embriagador,
Pra ressuscitar dentro de um delicado silêncio.

A teia do arrastão me entrelaça
Dobrando minha coluna vertebral.
Meus braços se cruzam no peito,
Afastando os seres abissais
Que me cercam em adoração.

Afundo lentamente para o templo de pó calcário,
E pérolas cintilam por mim.
Hão de dizer: Eis teu porto-seguro!
E eu, sequioso viajante,
Entrarei nesse lugar de líquen fresco
Para beber a imortalidade.

Abrirei as portas fluorescentes,
Feitas de conchas nacaradas,
E a serpente esverdeada me mostrará
O esplendor dos barcos naufragados.

Deitarei numa cama de algas,
Preparada por cavalos marinhos.
Dormirei com o roçar de nadadeiras,
Escamas flexíveis e ondulantes.

As sereias estarão ali,
Com delicados sussurros de emoção e vertigem
Dançando com seus seios nus.
Cantarão meus antigos pensamentos,
Que, aos poucos, desaparecerão
No tempo e nas águas.