sexta-feira, 24 de outubro de 2008

O Arco do Flecheiro

Tela de Frank Dicksee


Vem e solte meu coração de tuas mãos.
Gota a gota, perco lágrimas de rubi.
Oriente-me nessa desordem de dor.

Deixa que me disparem
De todos os pontos do arco do flecheiro,
E voa na cadência dos ventos.

Quero ser a primeira a chegar
Onde o sol levanta.
Erguer teu estandarte
No dorso da terra úmida e verdejante.

Dá-me teu sonho,
Para eu encher as jarras de prata,
E me acalmar em minha aflição.

Ordena-me um lugar sem mistério,
Que caiba tua luz flamejante.
Fala-me tuas palavras devoradoras,
Dobra-me em teus joelhos de suplica.

Meu coração há de parar,
Quando tu parares
Tua flecha cintilante no ar.

Meus pés criarão raízes ao teu redor,
Porque já faço parte da pele que te cobre.

Agora te envolvo com um manto de sono,
E sopro uma leve brisa,
Para que te aconchegues em mim,
Penetrando o meu tecido.

sábado, 18 de outubro de 2008

Encontro Marcado

Tela de Frank Cadogan Cowper



Fui ao seu encontro,

Inevitável encontro.

Equilibrei-me numa

Geometria estranha.

Configurei o exato

De sua construção

Em mim.


Foi uma intimidade

De cortejo

E eu queria ser olhada.


Era uma linguagem

Precisa,

Que traduzia

O calor dos poros,

O sangue

Desvendando o pulso,

Antes que meu grito saísse.


Fiquei presa

Em sua boca projetada

E nenhuma palavra

Foi capaz de dizer:

Não...

Para esse

Encontro marcado.

Represa

Foto K.Belkina



Minha garganta seca

Assimila a água de tua boca.

O meu olhar

Cruza o teu oceano

Marcando a distância do encontro.


Moléculas de ar

Rasgam minha boca

Que represa tua saliva salgada.


Uma necessidade

Preenche meus lugares secretos.

Entorpecidos se deixam penetrar.


Você abre caminhos

Sem resistência.

Traço um rumo

Confirmando nossa existência.

Derrubo a comporta

Que te represa.


Sou esculpida

Por tua água renovada

Enquanto você se dilata

Para estancar-se em mim.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Voltando para Casa

Tela de Edward Burne-Jones



Terminaram os seus dias

E ainda não tinha visto

Todas as coisas.


Não viu escrito

Em nenhum lugar

Que a hora era chegada.

Que a partida se preparava.


Atravessara o campo santo

Tentando esquecer a vida.


Foi arremessado bruscamente

A uma onda de vapores

Que apagava seu rastro.


Agora tinha que lidar

Com a noite de seus dias.

Sentia uma compaixão abundante

Ser derramada sobre ele.


Seus infortúnios

Já não mais importavam.

Eram absorvidos

Por essa nova emoção

De bem-aventurança.


Ali, no meio daquela súbita claridade,

Rompia-se o fio que o prendia aos dias.

Seus olhos não mais ardiam.

Sentia uma ternura imensa

Por tudo o que via.


Rejuvenescia num novo corpo.

À medida que caminhava,

Reconhecia pessoas que foram suas.

Sentia que uma paixão ardente

Brotava de seu coração.


Emergiu com todo ardor

A essa nova emoção.

Podia contar com imensa felicidade,

A todos que encontrava,

Que estava voltando para casa.

A Voz

Tela de Edward Robert Hughes



Fiquei olhando as palavras saírem de sua boca.

No começo você forçava uma animação.

Elas iam se amontoando no canto da boca,

Até se soltarem numa fluidez nunca vista.


Eu me incorporava no som de sua voz,

Já não estava mais presa ao que dizias,

Mas por vê-las se tornarem pássaros,

Voarem livres e

Rodopiarem no céu de sua boca.


De repente, impondo uma disciplina,

Virava um murmúrio,

Que de tão suave fundiam-se no ar.


Naquele silêncio de palavrinhas engastadas,

Assustei-me com minha urgência

Em querê-las para mim.

Sua boca celebrava meu desejo.

Que solenemente pedia em dialeto.


A voz suplicava uma energia,

As palavras apenas emergiam

Em chamas reluzentes,

Engasgando nas pausas,

Afundando como brasas.


Até que decidiram partir

Mudando-se para a minha boca,

Que ardia por lhe falar.

domingo, 12 de outubro de 2008

Eterna Primavera

Tela de Frank Dichsee



Agora sou

Uma estrada pontilhada.

Caminho sozinha

Buscando o paralelo

De minha existência.


Existo em mil maneiras de viver.

Vou observando meu congelamento

Na eternidade impossível.


O fio que me separa

Desse estado de ser

É súbito, não posso rompê-lo.


Vou de encontro,

Ao único lugar

Que é quase um jardim secreto.

Lá, encontro minha primavera.