segunda-feira, 3 de novembro de 2008

O Menino Barak

Tela de Caspar David Friedrich



Ele entrou num território estranho.

Muitos tinham se perdido

Por vivenciarem a ambição

Que brotava de todo o contorno daquele lugar.


Via uma força se delineando no horizonte.

Uma onda de energia rolava

Como um tormento num furacão enlouquecido.


Faltava pouco

Para que todos soubessem à que veio.

Sentia o gosto da palavra ‘perplexidade’ na boca.


O beijo do poder selava sua sorte

E se entregava a ele

Como um sonâmbulo perdido

Em nuvens de sonho.


Voltava a ser menino

E remexia uma caixa aberta

Que aquecia suas mãos.

Dela saiam sonhos de esperança

De todo o mundo

E ele se via vestido de menino-herói.


Sentia um maravilhoso presságio:

Seria recompensado

Por essa primavera que renascia de seus poros,

Que corria em suas veias enchendo-o de alegria.


Estava com a alma impregnada

Pelos gritos de “vitória”.

E esse estado que o fazia explodir em êxtase,

Sussurrava-lhe:

“Ninguém poderá mudar uma pedra sequer do lugar”.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

O Arco do Flecheiro

Tela de Frank Dicksee


Vem e solte meu coração de tuas mãos.
Gota a gota, perco lágrimas de rubi.
Oriente-me nessa desordem de dor.

Deixa que me disparem
De todos os pontos do arco do flecheiro,
E voa na cadência dos ventos.

Quero ser a primeira a chegar
Onde o sol levanta.
Erguer teu estandarte
No dorso da terra úmida e verdejante.

Dá-me teu sonho,
Para eu encher as jarras de prata,
E me acalmar em minha aflição.

Ordena-me um lugar sem mistério,
Que caiba tua luz flamejante.
Fala-me tuas palavras devoradoras,
Dobra-me em teus joelhos de suplica.

Meu coração há de parar,
Quando tu parares
Tua flecha cintilante no ar.

Meus pés criarão raízes ao teu redor,
Porque já faço parte da pele que te cobre.

Agora te envolvo com um manto de sono,
E sopro uma leve brisa,
Para que te aconchegues em mim,
Penetrando o meu tecido.

sábado, 18 de outubro de 2008

Encontro Marcado

Tela de Frank Cadogan Cowper



Fui ao seu encontro,

Inevitável encontro.

Equilibrei-me numa

Geometria estranha.

Configurei o exato

De sua construção

Em mim.


Foi uma intimidade

De cortejo

E eu queria ser olhada.


Era uma linguagem

Precisa,

Que traduzia

O calor dos poros,

O sangue

Desvendando o pulso,

Antes que meu grito saísse.


Fiquei presa

Em sua boca projetada

E nenhuma palavra

Foi capaz de dizer:

Não...

Para esse

Encontro marcado.

Represa

Foto K.Belkina



Minha garganta seca

Assimila a água de tua boca.

O meu olhar

Cruza o teu oceano

Marcando a distância do encontro.


Moléculas de ar

Rasgam minha boca

Que represa tua saliva salgada.


Uma necessidade

Preenche meus lugares secretos.

Entorpecidos se deixam penetrar.


Você abre caminhos

Sem resistência.

Traço um rumo

Confirmando nossa existência.

Derrubo a comporta

Que te represa.


Sou esculpida

Por tua água renovada

Enquanto você se dilata

Para estancar-se em mim.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Voltando para Casa

Tela de Edward Burne-Jones



Terminaram os seus dias

E ainda não tinha visto

Todas as coisas.


Não viu escrito

Em nenhum lugar

Que a hora era chegada.

Que a partida se preparava.


Atravessara o campo santo

Tentando esquecer a vida.


Foi arremessado bruscamente

A uma onda de vapores

Que apagava seu rastro.


Agora tinha que lidar

Com a noite de seus dias.

Sentia uma compaixão abundante

Ser derramada sobre ele.


Seus infortúnios

Já não mais importavam.

Eram absorvidos

Por essa nova emoção

De bem-aventurança.


Ali, no meio daquela súbita claridade,

Rompia-se o fio que o prendia aos dias.

Seus olhos não mais ardiam.

Sentia uma ternura imensa

Por tudo o que via.


Rejuvenescia num novo corpo.

À medida que caminhava,

Reconhecia pessoas que foram suas.

Sentia que uma paixão ardente

Brotava de seu coração.


Emergiu com todo ardor

A essa nova emoção.

Podia contar com imensa felicidade,

A todos que encontrava,

Que estava voltando para casa.

A Voz

Tela de Edward Robert Hughes



Fiquei olhando as palavras saírem de sua boca.

No começo você forçava uma animação.

Elas iam se amontoando no canto da boca,

Até se soltarem numa fluidez nunca vista.


Eu me incorporava no som de sua voz,

Já não estava mais presa ao que dizias,

Mas por vê-las se tornarem pássaros,

Voarem livres e

Rodopiarem no céu de sua boca.


De repente, impondo uma disciplina,

Virava um murmúrio,

Que de tão suave fundiam-se no ar.


Naquele silêncio de palavrinhas engastadas,

Assustei-me com minha urgência

Em querê-las para mim.

Sua boca celebrava meu desejo.

Que solenemente pedia em dialeto.


A voz suplicava uma energia,

As palavras apenas emergiam

Em chamas reluzentes,

Engasgando nas pausas,

Afundando como brasas.


Até que decidiram partir

Mudando-se para a minha boca,

Que ardia por lhe falar.

domingo, 12 de outubro de 2008

Eterna Primavera

Tela de Frank Dichsee



Agora sou

Uma estrada pontilhada.

Caminho sozinha

Buscando o paralelo

De minha existência.


Existo em mil maneiras de viver.

Vou observando meu congelamento

Na eternidade impossível.


O fio que me separa

Desse estado de ser

É súbito, não posso rompê-lo.


Vou de encontro,

Ao único lugar

Que é quase um jardim secreto.

Lá, encontro minha primavera.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Escuridão

Tela de Odd Nerdrum



Não há lua.

Um negrume denso, espesso

Brota da silhueta incorporada

Na noite.


Espero os passos incertos

Irem para o vazio estreito

Do silêncio.


O sangue alerta,

Dois olhos espreitam o frio.

Batidas cardíacas ressoam.


Uma dor de fenda, num espiral começa

Quebrando o circulo agonizante do medo.

Cada um rompendo o lado que habita.


Segue, cada um,

Para o lado oposto do encontro

Deixando emanações

E pulsações

Onde tudo se deu.


O afastamento é o escape

Frente à agonia do desconhecido,

Por medo dos clamores que a carne têm.

Por medo desse encontro torpe,

Que na escuridão da vida

Atravessa nosso caminho.

A Teia de Indra

Tela de Josephine Wall



Precipito-me no meio da faísca Cósmica.
Compartilho a consciência de um dedo divino,
Que aponta um clarão no horizonte.

Desfaleço ante a visão
De entrar na atmosfera densa.
Arqueio vulnerável, nas emanações
De lava fervente.
Meu corpo treme.
Apavoro-me desse sopro celestial
Que me retira do seio da certeza
Levando-me a essa teia de Indra.

Sigo uma estratégia silenciosa
Perfurando essa nuvem de gás,
Que embaça minha realidade.

Entrego-me a essa inevitável
Atmosfera terrena,
A esse compactuar humano
De querer ser cintilante.

Abro meu peito
Para sorver a delícia de estar
Nessa magia que infla o espírito.

Resvalo-me nesse fogo humano.
Derramo-me nesses instantes de alegria
Que seguem numa corrente selvagem.

Vou, mesmo sabendo
Que serei consumida
De minha primordial essência.

Que delicadamente, dia após dia,
Me afastarei até retornar
Ao que já era meu.

domingo, 21 de setembro de 2008

Guerreiro

Tela de Sir Edward (Coley) Burne-Jones



Vem e resvala-se

Na intimidade de meu tecido.

Beba de meu sangue até se saciar,

E da agonia que te consome estar livre.

Vem e derruba esse muro

Que nos impede de ser.


Sentencia-me a ser seu poente.

Transfigure-se como sol em mim,

Que me tornarei raios vagos de luz

Exaltando cada manhã de nossos dias.


Corte o ar e meu hálito

Com sua espada de aço.

Enterre em meu corpo blindado,

Sua força de guerreiro.


Reverbere com seu grito

Meu êxtase derradeiro,

Pois que cada dia

Traduzo sua língua desconhecida,

Para compreender seu poder sobre mim.

Outono

Tela de Pierre Bonnard



Quando a chuva de outono

Respingar em minha janela

Estarei te esperando.


A música soará intensamente

Das cordas de meu coração.

O vento há de dançar

Por nossa alegria.


Tochas serão acesas

Iluminando nosso jardim.

Flores exalarão perfumes,

Muito além, do que se pode sentir.


Seremos arrebatados pela relva fresca,

E ali mesmo, incrustados na terra

Exalando o que de mais antigo,

Tem os corpos.


Na confusão das emoções

Invadiremos um ao outro

Com nervos retesados.


Uma sinfonia tocará.

Galhos retorcidos se aquietarão

No cimo de meu corpo.

Glóbulos mornos de orvalho

Escorrerão no solo

Encharcando nossos pés entrelaçados.


Teremos o aroma doce das flores

E o inominável cheiro do amor.


Estaremos inertes

Na lassidão do esquecimento

Abandonados ao suspirar

Do fim da noite.


Ali, no segundo estreito

De meu olhar no seu,

Nada será como era,

Tudo será mais.

Vaso


Desconheço o autor



Vim pura e livre.

A essência foi conquistada

No clamor de minha liberdade.

Minhas escolhas foram propostas

Pela força de meu coração.


Fui arredondada em argila quente.

Dei voltas inteiras

No torno do oleiro mestre.


Decodifiquei meu corpo

Em partículas de areia e água,

Quando saí

Do propósito da criação divina.


Agora sou vaso

E só preenchida sinto o meu valor.

O Demolidor

Tela de Dino Valls



No silêncio de tudo,

Ele compunha versos alados.

Arquitetava palavras

Batendo um compasso

Dissonante e continuo

No emaranhado das letras.


Acariciava as silabas

Para formar seus poemas.


Ao toque da pena

Saltavam

De sua primordial forma,

Na folha quase branca.


Seguia numa lógica enlouquecida

Pelas promessas desconstrutivas.

Assim, num emaranhado de versos,

Ele se perdia para se achar.


Quando tudo estava pronto

E a folha preenchida,

Ele, como um demolidor,

Desconstruia todas as palavras,

Para juntá-las,

Num novo poema de amor.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Por quê

Tela de Amadeo Modigliani



Onde foi que me perdi de ti?

Em que canto enternecido da vida

Meu olhar se anuviou

E me perdi de ti.


O fio de Ariadne não foi o bastante

Para que eu te encontrasse

Neste labirinto perdido dentro de mim.


Tenho acumulado um tesouro por anos.

Ocultei nas estepes de meu corpo

Essa vontade nostálgica

De te ter dentro de mim.


Sonho com seu jardim de terra fresca,

Com tardes cálidas,

Nesse paraíso de promessas perdidas.


Te vejo interrogar meu corpo,

Rompendo peles,

Fazendo voltas no meu existir.


Depois, em halo sereno,

Parte como um servo

Que executa ordens.

Esquece-me em campo aberto

A perguntar: por quê?

domingo, 31 de agosto de 2008

Destino


Tela de Von Gogh



Deixei-me estar

Ao longo dos mistérios,

Fiquei na perplexidade das coisas,

Na metafísica do universo.

Amei cada objeto, cada instante.

Vivi as incertezas dos labirintos.


Para além de meu ritmo

Respirei as constelações

E na orla de meu destino

Um mistério descansa.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Desejo

Tela de Egon Schiele



Vem e sacia-me

Desta fome estranha,

Que cresce e possui-me.


Vem alimentar-me

Daquilo que excede,

Que é bem maior

E que me impele a ti.


Já não me basta

Esse alimento que

Quer-se sempre mais!


Meu desejo é chama

Que arde eternamente,

Que vem de não sei onde,

Que não tem fim nem começo,

Que está aquém de mim.


Disseco-me

Arrebato-me em ti,

Que fomenta o meu desejo.


Atenda-me agora

Tirano enigmático,

Interpreta-me com seus dedos,

Com suas interrogações,

Que incendiarei para ti.

O Crepúsculo

Ilustração de Kael Kasabian


A sede em minha garganta

É um metal de corte,
É uma voz que grita
Sobre o crepúsculo da morte.

O hálito do tempo
Trama o inconcebível.

Um rio de espadas

Empunhando gritos,
Crava sob meu corpo branco

Um delirante rito.


Aquele que chama

A aurora exangue,
Num clarão desponta

Rasgo de meu sangue.


A noite perdida

Dos meus dias findo.

Invade o tempo

Fixando sombras,

Para além de tudo,

Para além da vida.

sábado, 9 de agosto de 2008

A Letra

Tela de Edward Robert Hughes



A letra me alerta.

Abro cada palavra

Com faca de ponta.

Afino o som com golpes

Até chegar nos ossos.


Não encontro leveza nas palavras,

Mas restos carcomidos de tinta seca.

Decupagem de pedaços recortados

De meus sentidos inexatos.


Furto velhos hábitos

Costurando um fio

De linha tinta de sangue,

Que exangue,

Um perfil desesperado.


Encontro palavras efêmeras,

Que renunciaram esperanças.

Raspo cada letra com cacos de vidro.


Enxergo mensagens ocultas

Que suspiram na folha cortada.

Escrevo novamente a dor,

Com letras de silêncio.