quinta-feira, 31 de março de 2011

Engano

Fotografia de Gregory Crewdson


Uma corrente raivosa
Arrastava pedaços de pensamentos
Enquanto a escuridão descia
Sob nossos corpos.

Guiei-te até a alma das coisas
Com a líquida certeza
De estarmos rodeados pela noite.
Clamei, desesperada, que preenchesses
Meus braços, que me fizesses feliz.

Não foi o que tive dessa sensação,
O que aconteceu foi encontrado
Num pântano escuro,
Negro jardim de lâmpadas apagadas.

No céu, as nebulosas dançavam
O fim das despedidas.
Mostravam-se, num vai e vem ondulante.
Falavam-me para eu ser dança nos braços teus.

Deixo o vagar solitário nas trevas,
No fundo noturno do tempo.
Lá onde a terra escura se esconde,
Eu enterro nossa chama.

Mesmo morta ela voltará ao nosso corpo,
E se fundirá noite adentro.
O indecifrável mistério da busca,
Onde os rumores da semeadura
São gemidos no centro da zona mais escura.

Onde se reza ao divino,
Ao cosmo e ao sentimento humano.
Mergulhamos absolutos,
Dentro de um espantoso engano.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Redemoinho Flamejante


 Tela de Anna Lea Merrett


Vinde a mim, oh amado do deserto!
Todos te esperam para imortalizá-lo,
Depois que ressuscitastes do silêncio do Egito.
Tuas canções foram escritas em hieróglifos
Para serem cantadas nas oferendas a Osíris.

Teus olhos de ônix foram banhados em sândalo,
E descansam na constelação de escorpião.
Teu palácio foi preparado com puro linho,
E os tapetes bordados com mil fios de lã.

Terrinas de manjares te esperam, servidas
Por virgens renascidas das águas do Nilo.
Em teu lugar de repouso, ao meu lado,
Florescem lírios do Vale,
E malvas foram regadas com o orvalho
Dos meus olhos.

Acerca-te de mim, oh rei dos Faraós!
Meus joelhos se dobram a tua passagem,
E minhas minúsculas sandálias tangem o teu chão.

É na esperança de tua origem que me valo.
Voltaremos ao tempo dos meus sonhos,
Onde tu eras o meu provedor
E eu te abria as minhas pétalas perfumadas.

Vem para estarmos num redemoinho flamejante,
Que desdobrará nossas almas num esplendor,
Que tombará aos nossos pés, assim que formos um.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Palavras Encrespadas


 (Desconheço o autor)


Se eu pudesse escolher o caminho,
Seria a medida de nossas mensagens.
Salamandras evocadas do centro da Terra
Viriam contar as tuas palavras encrespadas,
Se desintegrando pelo espaço
Numa atmosfera surreal.

Eu descobria lentamente o poder do choro,
Os olhos sendo arrancados e jogados
Num abismo de sal e esquecimento.

Eu iria até onde a atração dos corpos
Tem o poder atômico, e invocaria
Os deuses obscuros para te trazer.

Ergueria a mesma taça palpitante de sonhos,
E pediria teu retorno ao rito mágico
No centro de meu corpo.

A ronda das noites seria para deixar
O meu leito coberto de assombros,
E depois me acender com tuas mãos.

Mas ainda tenho uma rajada de evocações fúnebres,
E tua ausência falando de impossibilidades dolorosas.
Mesmo assim, atravessaria todo o deserto
Pronunciando palavras sacramentais de busca.

Entraria nas regiões agonizantes,
Para ter de novo o esplendor de tuas palavras doces,
A tua ternura errante que flutua,
E flores brancas de perfume.

terça-feira, 15 de março de 2011

Fiz-te Invisível



 Tela de Magritte


Neste dia eu destino a mim o repouso.
Vou deixar o teu olhar longe e sair.
Colunas serão erguidas,
Pois eu escolhi voltar à calma
De minha alameda antiga.

Tua árvore secou e os frutos caíram.
Vi teus braços submersos no vazio
E tua energia, outrora esfuziante,
Resvalar no nada.

Estou regressando ao meu lugar de paz.
Aquele mel que fazia a doçura
Dos meus dias se tornou amargo,
Por isso estou trocando as abelhas.

Deixo-te na curva do silêncio.
Parto para navegar em outro rio,
De águas mais consoladoras.
Fujo da maldição que há em ti,
Da agonia que levas contigo,
Das suas origens banhadas no medo.

Voltarei a ser pétala de luz
Estendida num campo de latitude certa.
Meu sangue estava negro,
Pois me igualara aos lobos de tua estepe.

Saio desses recifes de contornos duplos,
Fugindo de tua voz cheia de versos.
Fui hipnotizada e submersa
Numa água de sonho,
Mas voltei à tona e respiro novamente.

Algumas pedras ainda suspiram,
E reclamam os dias de loucura,
Mas perdoa-me, fiz-te invisível!

domingo, 13 de março de 2011

Desvario

Tela de Zeljko Djurovic


Brota um desvario de caminhos.
Uma exausta paisagem sem seiva
Mostra-me uma sombria encarnação.
Soberana visão ardente e silenciosa,
Dilacera em dores no limiar da vida.

Escuto o chamado das estrelas guardadas.
Brilham para os seres inanimados,
Que esperam o chamado da dança.

O horror dessa noite trouxe
Átomos aflitos.
Invadiram o mar com perplexos gritos.

O inferno é absoluto,
Sobrevoam corvos sob o oceano,
E aterrisam como num rito.

Orfeu canta a Terra agonizante
Aos seres desse nevoeiro imenso,
A canção cabalística da morte.

O coração segue em desespero
Desfazendo-se da obscura forma humana,
Na busca do imperceptível e infindável Nirvana.

Onde esconderam o refúgio seguro?
O que vejo são os cinco elementos,
E a morte me aniquilando os sentidos.

Que a solidão tenebrosa e fecunda,
Durma sua noite mais profunda,
E esqueça o desvario
De quem viveu de saudades.

A dor maior se apresenta,
Com a privação de quem se ama.
A alma fica perdida, a suspirar deserdada.

O tempo dos ângulos agudos
Refaz-se em riscos incisivos,
Cortam como lâminas um ácido de gume,
Destroçando os aflitos amantes.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Sem Sinal



(Desconheço o autor)


A mínima incerteza sobre o teu corpo
Dentro do espaço atormenta-me.
Penso em reinar sobre o teu nome
E te incendiar com os meus olhos.

Tornei-me uma voragem
Quando perdi o teu sinal e mergulhei
Na cratera desse vulcão extinto.
Construí ardis para te ter,
Mas escapastes pelas rasuras do éter.

Ainda somos um traço sutil na parede,
E retornamos no traçado do tempo
Para olhar a tempestade formar relâmpago.

São eles que cortam todos os sinais
E me deixam desesperada.

Procuro esquecer-te, mas retorno ao engano,
Acendo o dia com um sol apagado,
Procuro cansar-me de sua falta nos meus dias,
E digo a todos que não te queria.

Mas quando chega à noite,
Eu só quero que volte o dia.

sábado, 5 de março de 2011

Cantarei em sua Boca





Tela de Bruno Di Maio


Manso e invisível, dorme
O meu corpo, lembrando a morte.
Estou dentro das lágrimas,
E as trevas me acariciam,
Adensam-se me afogando,
Destruindo todas as cores.

Imperfeita, percebo a noite
Brotar em corredeiras de vigília.
Reencontro de imagens que se formam,
Por eu ter bebido sua boca.
A terra exulta meu corpo.
Canta através de substâncias
De meu sangue.

O silêncio transporta a morte
Que navega embriagado
Sob meu espírito.
Agora estou entre os seus dedos
E sinto seu instinto despudorado
Invadir-me com melodias
E uma alegria faminta.

Depois que eu renascer,
Encantarei a noite.
Trarei uma harpa e tangerei
Cordas em ondas.
A imagem de um dorso
Florindo lírios,
Impregnado e tenso,
Tocando a loucura do tempo
Nas cordas dessa pele alba,
Será eterna.

Incendiarei todos no caminho,
Para não me fazerem sombra.
As mãos estarão luminosas,
Inteiras para a beleza
Que descerá e principiará
No centro de meu corpo.

Um vinho colhido nas colinas
Será bebido na entrega dos sonhos.
Todas as coisas esperadas
Surgirão de minha fecundidade,
Mostrando o espanto da oferenda.

Os instantes de brandura e inocência
Acolherão a intimidade
Que estará pedindo arrebatamento.
Toda minha carne tremerá
De violento desejo.
O ritual confundirá o vento
Que fará transporte de meu perfume,
Juntando o seu tremor ao meu.

Minha voz cantará em sua boca,
E sua intimidade será minha.
Seremos consagrados pela
Escuridão da noite
Resvalando até a insuportável loucura.

Nenhuma gota será perdida.
Rasgarei meu vestido,
E meus seios estarão nus,
Como montes de nuvens.
O verão entrará em nossos corpos,
Aspirando o consolo do sono
Depois do amor murmurado
Em êxtase.

E quando eu colar minha face a sua,
Teremos o mesmo ar
Dentro da mesma ternura.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Figura de Fada


 Tela de Jia Lu


Deixa ser eu sua sombra,
Clara figura recortada
De um corpo de fada.
Pássaro alado ressuscitado de mim,
Inaudível anjo a espreitar sua fala.

Sinta como te chamo no ar.
Entre as ondas sou pétala solta,
Perdida do seu olhar.

Estou sozinha e cansada,
Vagando esse corpo frágil
Em seu vazio inexorável.
Cose-me com suas cicatrizes,
Minha alma a sua.

Ouço quando falas
Com receio os seus segredos.
Volátil e vermelho,
Escuro como sangue,
Entrecortado de beijos,
Enrolados de silêncios.

Vejo-te na varanda,
Volúpia inflamada
De amor e de desejo.
Eu, figura de fada,
Recortada de uma sombra
Pouso ondulante e breve
No mar, mas não te tenho.