domingo, 5 de agosto de 2012

Casa de Pássaros



Tela de Koralov Hypnagonik


Ouve o prelúdio do chamado e vem.
Faz uma casa de pássaros para o meu olhar.
Inventa uma noite de loucura,
E relâmpagos que falem.

Traz um corpo de suspiros,
Que me roube o ar e o fôlego.
Escreve nas paredes
Que a reza vem dos desejos.
Diz que o sonho está dentro do corpo,
E dança a tua volta em um vestido de fogo.

Fala que a língua da noite
É refrigério no corpo escaldante.
Conta que o pássaro delira por jardins,
Passando os dias, hipnotizado pelo ninho.
Escreve que, aéreo,
Dá voltas na respiração do dia,
Em busca de asas para mitigar o desejo.

Inventa uma casa de pássaros que brilhe,
Que orvalhe no verão, e arda no inverno.
Uma casa dentro do silêncio,
Com o espírito apaixonado dos amantes.
Um corpo que queime nas ondulações do fogo,
E abrace o encontro do vôo,
No delírio do sangue.

domingo, 15 de julho de 2012

Viagem sem Fim



Tela de Iman Maleki

Quando eu abrir os meus olhos,
Estarei sequestrada sob teus domínios.
O ar encrespado me fará ondular
Como a chama de um crepúsculo.

Flores sairão de minha boca
Para estar na tua, cheia de sede e espanto.

O vento escreverá nossos nomes
Com o orvalho da noite,
E as letras entrelaçadas
Serão como um farol obstinado.    

A pele alva mostrará o caminho.
Um rio de vinho, recolhido em taças,
Despertará o desejo,
Preparando-nos para uma viagem sem fim.

Será como uma correnteza descendo um rio.
Estarei refletida no espelho dos teus olhos,
E, como naufraga, me agarrarei
Ao centro de teu corpo.
Só estarei protegida no turbilhão de beijos
Que sairão de tua boca.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Homem Pássaro


 (Desconheço o autor)


Procurei-te à beira das nascentes,
Nos que carregavam cântaros junto ao rio,
Nas esferas ondulantes do sol,
E na flama do éter
Da atmosfera escaldante.

Não te achei,
Pois sonhavas um tempo de aguaceiro,
No vale das trevas.

A harmonia do mundo
Ia e vinha dentro de mim,
Enquanto te buscava.
A força do sangue corria,
Levando junto o mistério.
A visão de tua face preservada,
Num gemido abafado de dor,
Entorpecia meus sentidos.

Estavas só, dentro do silêncio e da busca.
Passei por todos os recantos sombrios
Esbarrando nos emaranhados da escuridão.
Não te encontrei no labirinto obscurecido,
Nem nos regatos das nascentes perdidas.

Corri os jardins da Terra
Procurando o caminho que bifurcara,
Antes de te perder.

Estavas só, como um menino perdido.
E em delírio, tragado pelos dedos da noite.
Dançavas numa luz hipnótica,
E no lugar de teu repouso
Enrolava-se ao vento
E girava em esplendor de voo.




quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A Fonte


 Tela de Victor Bregeda


Descobri em mim a pedra suspensa,
Aquela que fechava a fonte,
E escurecia a água dos mistérios.

Mostrei ao deus das águas o meu centro,
E as entranhas de sangue,
Para invocar os milagres da noite.

As veias se dilataram em tremor de espanto,
E peixes se davam em alimento.
Engoli todas as moedas 
Dos pedidos dos amantes.

Consagrada à abertura abismal,
A língua bifurcada de serpente,
Seguia arrebatada dentro da boca.
Escamas pontiagudas
Ocultavam desejos suplicantes.

Dentro do poço, as cintilações vibravam.
Gingavam absolutas na dança
De satisfazer vontades ocultas.
E no meio da noite,
Abriam-se, trazendo o mar na fonte.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Serendipity

Fotografia de Nils Udo


Encontrei o ar,
Em andamento de crepúsculo.
Senti o encantamento súbito
De uma música andina,
E uma floresta se abrindo
Para o esplendor do Paraíso.

A descoberta do invisível,
Entre as folhas, foi o sinal.
Encapsulado, entre as sementes,
Nascia um deus humano.
O orvalho da manhã formava
Uma mandala de gotas,
Como um bracelete,
Indicando uma eternidade terrena.

A aurora penetrava no mundo,
Confundindo as ondulações do sol,
E esse deus do silêncio
Respirava a brisa fina do alvorecer.

Eu, possuída de ternura,
Desdobrei-me em gestos de grandeza,
Acolhendo-o com pálpebras
Em suspensão de lágrimas.
Ele me olhava em silêncio,
Mostrando-me coisas mais altas.

Sereníssimo, caminhava pelos jardins
Em forma de brisa.
Chispas de risos dançavam em sua boca,
Formando constelações.

Seus cabelos esvoaçavam
Enrolando-se em caracóis.
Refletia uma luz difusa,
Como um fantasma na febre do tempo.
Ocultava-se nas transparências esculpidas
Do espelhar das poças d’água,
E, dentro delas, imitava um campo de estrelas.

Navegamos juntos,
Num mar destinado aos sonhos.
Mas, cansado de ser deus,
Impenetrável no ar da vigília,
Levantou-se solitário
Aos pés da minha sombra.

Desvaneceu-se em meus braços,
Como um sopro divino,
Deitando-se entre os meus seios,
Como um menino.